Exposição de Rita Lee prova que itens guardados viram bela memória

Posted by Chris Fuscaldo Category: Garota FM

Dezembro é o mês de Rita Lee: neste dia 31, ela completa 74 anos. E, sem querer querendo, dezembro foi o mês em que eu reencontrei Rita Lee mais uma vez. Em uma passagem por São Paulo, fiz questão de tirar uma tarde para visitar a Rock Exhibition, exposição que reúne, no Museu da Imagem e do Som (MIS), roupas, músicas, vídeos e histórias da trajetória da cantora e compositora. Em cartaz até fevereiro de 2022, a mostra emociona os fãs da cantora. Autora de um livro sobre Mutantes que sou, caí no choro já em uma das primeiras salas, ao encontrar o vestido de noiva que vestiu Leila Diniz  para uma cena da novela “O Sheik de Agadir” – exibida entre 1966 e 1967 – e foi emprestado pela atriz para Rita usar na apresentação de Caminhante noturno pelos Mutantes em 26 de setembro de 1968, na semifinal do terceiro Festival Internacional da Canção (FIC). Uma palinha do que está no Discobiografia Mutante: Álbuns que revolucionaram a música brasileira (Editora Garota FM Books, 2018):

“A entrada da cantora no palco foi um escândalo – até sua mãe levou um susto ao assistir de casa. A foto do francês Richard Sasso do trio se apresentando virou capa do álbum Mutantes, de 1969. Nela, ainda estão Sérgio de toureiro e Arnaldo de arlequim. O vestido de noiva está com Rita até hoje; foi usado em outro festival, quando ela providenciou uma barriga falsa para fingir que estava grávida e, em 1971, na cerimônia de seu casamento com Arnaldo”.

O vestido estava entre as relíquias guardadas por Rita, que foram parar no MIS sob curadoria dela e do filho João Lee (e com cenografia assinada por Chico Spinosa e direção artística de Guilherme Samora). Roupas, há várias expostas: de Mutantes a figurinos de shows realizados nos anos 2000. Outra que me tocou em especial foi o macaquinho costurado por Chesa, mãe de Rita, para o show Refestança, que a cantora apresentou junto a Gilberto Gil em 1977, ano seguinte ao que a cantora e seu padrinho baiano estiveram na cadeia, não juntos, mas pelo mesmo motivo (ele, durante a turnê com Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia, os Doces Bárbaros). Mais uma palinha do livro:

“Depois de 1976, ano em que os Mutantes lançaram seu último álbum (sem Rita desde o disco de 1972), muita coisa aconteceu na vida de cada um de seus integrantes. Naquele mesmo ano, grávida de seu primeiro filho, Beto, Rita Lee foi presa por porte de maconha. Já fora da prisão, em 1977, lançou o Refestança, álbum ao vivo gravado com o Tutti Frutti e com Gilberto Gil e sua banda Refavela. No ano seguinte, lançou o Babilônia com o Tutti Frutti e, a partir de 1979, engrenou de vez na carreira solo, com o incentivo e apoio do (que seria seu eterno) companheiro Roberto de Carvalho”.

Cartas que Rita escreveu ou recebeu enquanto estava na prisão são de apertar o coração: ela chega a dizer ao “novo” namorado, o guitarrista Roberto de Carvalho, que não vai ficar triste se ele decidir seguir a vida sem ela, enquanto, em outra correspondência, sua mãe pede que ela siga forte para dar força também ao bebê que carregava no útero. A roupa de presidiária usada no primeiro show depois de sair da prisão reproduz a ironia clássica da cantora. Cópias de documentos que mostram músicas vetadas pela Censura Federal causam raiva, nojo e outros sentimentos que nem vale a pena tentar rememorar. Que tempos difíceis para um compositor!

Que tempos difíceis para uma mulher que só queria cantar o que toda mulher e homem sabem o que é: “Mulher é bicho esquisito / Todo o mês sangra / Um sexto sentido / Maior que a razão”, diz a canção Cor de Rosa Choque. Um recorte de jornal entre os vários papéis com as várias canções censuradas prova: “Conta-se que Rita Lee, quando soube que a Chefe da Censura havia proibido a letra de sua composição ‘Cor de Rosa Choque’ (tema do TV Mulher) por causa do verso que diz: ‘mulher sangra todo mês’, teria procurado dona Solange e lhe perguntado: ‘A senhora também não sangra?’”.

A sala dedicada a Roberto de Carvalho é leve, colorida e sensual, como se mostra o casal desde que engrenaram nessa bem-sucedida relação amorosa-musical. Imagens, roupas, trechos de filmes e matérias de revistas que mostram o que Rita fez nos anos 1990 e 2000 também reforçam o quanto a artista é realmente rainha. Mais uma palinha do Discobiografia Mutante:

“Depois de (álbum) Rita Lee, que trazia ‘Arrombou a Festa’ – parceria bem-sucedida com Paulo Coelho, que sonhava virar escritor, mas ainda era letrista e diretor artístico de gravadora –, ‘Chega Mais’ e ‘Mania de Você’, entre outros hits, ela lançou mais de 15 álbuns de estúdio, além de cinco ao vivo e cinco DVDs. Fora a discografia, a presença de Rita em programas de TV e em filmes foi marcante. Ela arrasou como apresentadora do hilário TVLeezão, transmitido em 1991 pela MTV, e como a cantora Lita Ree em Vamp, novela da TV Globo adorada pelos jovens dos anos. Em 2002, interpretou Tia Julieta no longa-metragem Durval Discos. Em 2006, foi convidada a dublar a Rê Bordosa em Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, animação inspirada nos quadrinhos dós anos 1980. Quatro anos depois, Rita publicou em seu Twitter um segredo sobre a personagem criada pelo cartunista Angeli, uma mulher de aproximadamente 40 anos, alcoólatra, ninfomaníaca, desbocada e desprovida de bom senso, cujas histórias giram em torno de suas manias e desejos: ‘Quando Rê Bordosa nasceu, Angeli me contou que se inspirou em mim, apenas carregando na tinta’”.

Daí, Durval Discos e Wood Stock não estão na exposição, mas no meu coração. Também me arrebatou, olhando tudo aquilo, refletir sobre toda a revolução que Rita Lee fez, e que inspirou e ajudou tantas mulheres cantoras e compositoras brasileiras. Em dezembro de 2021, meus parabéns são duplos para ela: pelo aniversário e por ter guardado tantos itens para podermos celebrar a memória da música brasileira.

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