Por Chris Fuscaldo e Ricardo Schott* juntos e shallow now
Que o Brasil está polarizado politicamente, a gente já sabia. Que muita gente não gosta da obra de Paula Fernandes, também. Mas que tanto bolsominions quanto petralhas acreditariam que Luan Santana não participou da gravação do DVD da cantora e compositora porque sua gravadora não o liberou… por essa não esperávamos.
Desde o lançamento da gravação em que Luan canta com Paula, a convite dela, sua versão para o hit do filme Nasce uma estrela, acompanhamos o desenrolar do caso e ficamos atentos a como os jovens artistas brasileiros se comportariam diante das críticas, troças e piadas que a música ganhou. Ao percebermos que a maioria das pessoas estavam engrossando o coro do cantor enquanto nós concordávamos em nossas reflexões, decidimos que era hora de escrever algo sobre o assunto juntos e shallow now.
Juntos é o nome da versão que Paula Fernandes escreveu para a música composta por Lady Gaga junto a outros autores – e interpretada por ela e Bradley Cooper no filme que rendeu à cantora americana o Oscar de melhor canção original junto com Mark Ronson, Anthony Rossomando e Andrew Wyatt. Na hora de fazer o refrão da versão em português, Paula manteve o “shallow now” do original. O resultado foi um “juntos e raso agora” (só que com esse final em inglês) que não bateu bem para ninguém, e que virou piada.
Antes, Shallow já havia recebido outros 31 prêmios – Grammys, Bafta, Globo de Ouro e outros – batendo todos os recordes. Gostemos ou não da letra em português, ela passou pelo crivo da própria Lady Gaga e foi liberada para registro dessa maneira. De acordo com o que foi divulgado, Luan falou para Paula que não havia curtido a parte em inglês. Ela respondeu que não poderia mais mexer, afinal, todo o processo de aprovação teria que ser reiniciado. O site Hugo Gloss reporta que Luan tentou alertar Paula mais de uma vez para o fato de que “juntos e shallow now” não combinavam igual a “tá tranquilo, tá favorável” ou “na rua, na chuva, na fazenda”. O astro sertanejo tentou, mas não conseguiu fazer valer suas opiniões.
Como todos que trabalhamos no mercado musical sabemos, há uma burocracia nesse vai e vem e sempre um alto risco de os mais fortes (nesse caso, qualquer norte-americano o é mais do que qualquer brasileiro) cansarem da fadiga e desistirem da negociação. Aquela era a hora de Luan dizer: “Olha, Paula, gosto muito de você, mas prefiro então não participar da gravação. Chame outra pessoa”. Só que ele não fez isso e, ao entrar no estúdio para registrar sua voz (diga-se de passagem, menos grave do que a da parceira), cumpriu a primeira parte do combinado. O resto da história, todo mundo já sabe: depois de “juntos e shallow now” sofrer uma enxurrada de críticas e virar motivo de piada em todas as redes sociais do Brasil, Luan desistiu de participar da gravação do DVD.
Segundo o próprio Hugo Gloss, Luan voltou atrás e descumpriu o combinado por recomendação de sua gravadora, a Som Livre, já que a canção havia tido repercussão negativa. Ao saber que não teria o parceiro no show ao vivo, Paula gravou um vídeo quase chorando, em que explicava que não poderia contar mais com Luan na gravação. A cantora disse que muito pensou sobre convidar outro artista para fazer o dueto com ela e decidiu pedir para que a plateia assumisse o lugar de Luan e cantasse com ela.
A atitude de Luan deu margens a comentários e piadas machistas sobre o trabalho da Paula. Gerou um burburinho estranho, em que o que se dizia é que a Som Livre achava que Luan deveria se concentrar na divulgação de seu DVD. O que faltou tanto Luan quanto Som Livre dizer – e os que comentaram sem refletir sobre o assunto – foi que ele havia combinado anteriormente de participar do tal DVD da Paula. Sair de fininho dessa maneira foi, no mínimo, uma atitude covarde.
Vamos lá: isso aí é o que a gente vê quando lê sobre artistas cujo verdadeiro objetivo, ainda que seja algo “artístico”, não é a cultura. Que Luan Santana é um grande nome do mercado musical brasileiro, ninguém duvida. Leia novamente a frase anterior e repare que estamos dizendo que ele é um “grande nome do mercado”. Imagine se o empresário de uma cantora como a Zélia Duncan ia falar para ela: “Zélia, não acho legal você cantar isso aí, não”. E ela ia escutar e obedecer. Imagine se a Zélia, se fosse o caso, não ia chegar para a Paula e falar: “Paula, isso tá uma merda, muda pelo amor de Deus ou eu desisto”.
Não sabemos em que condições o tal acerto entre Luan e Paula foi feito inicialmente, só que houve um acordo entre as partes, que depois foi deixado de lado. De qualquer jeito, dá para imaginar o que aconteceria se o maior empreendimento da história do pop nacional, Roberto Carlos, fizesse o mesmo tipo de acerto com outro cantor, e visse que tinha um “shallow now” a engolir pela frente. Roberto é conhecido pelo detalhismo e por não ter problemas em dizer que não gostaria de cantar determinado verso. Com certeza ele sairia antes de colocar a voz.
No caso do Luan, honestamente, parece que, mesmo achando o verso uma droga, ele quis garantir os milhares de reais em direitos conexos que a promessa de hit lhe garantiria. Já que ele topou gravar a música em estúdio, o bonito seria ele chegar e falar: “Olha, foda-se, eu já me comprometi com ela e vou cantar essa merda desse ‘juntos e shallow now’. O DVD não é meu, é dela, só vou cantar e cair fora”. Qualquer outra atitude é, na boa, extremamente feia. E covarde.
Tem algo muito bizarro nessa história do Luan e da Paula, que serviu para alimentar bastante os sites de notícias por algumas semanas, mas que só mostra o quanto nosso show business está (incrivelmente) menos “artístico”. Participações em discos alheios viraram um grande negócio a ponto de alguns artistas serem eternos coadjuvantes de feats. O problema é que, na hora de criar algo que realmente seja um grande encontro, isso não está funcionando. Ainda mais quando as coisas são pensadas, marketeadas e realizadas de maneira extremamente troncha. E quando uma das partes envolvidas resolve cair fora e não cumprir o que já havia sido acordado. Só nos resta desejar melhor sorte à Paula Fernandes na escolha de seus refrãos e de seus parceiros. Enquanto isso, a gente vai escrevendo juntos e shallow now para mostrar que, entre jornalistas e escritores, o sonho ainda não acabou.
* Ricardo Schott é jornalista e, além de trabalhar no jornal O Dia, edita o site Pop Fantasma.