Morre Cauby Peixoto, homem de grande voz e deliciosos beijos

Posted by Chris Fuscaldo Category: Dia a Dia Tag: ,

Eu devia ter 20 anos quando fui a meu primeiro show de Cauby Peixoto. Era fã desde que nasci, afinal, minha avó paterna – que se prepara para completar 101 anos daqui a dois meses – vivia reproduzindo o maior sucesso de um de seus ídolos, Conceição, ao piano. Convidada pelas senhorinhas da família do meu namorado de então a acompanhá-las no espetáculo que o cantor niteroiense (meu conterrâneo) apresentaria no Bingo de Niterói – lugar, naquela época, ainda permitido -, empolguei-me com a possibilidade de ver de perto o dono daquele vozeirão que ouvia nos LPs de Orita.

Chegando lá, percebi que eu era uma das poucas pessoas com menos de 60 anos no local. Recebi alguns olhares desconfiados e outros afetuosos no caminho até meu assento. Já na mesa, aquela grande bola de grade iniciou a rodar, colocando as bolinhas numeradas para fora, aguçando minha ansiedade: entendi logo que levar um artista daquele porte àquela casa era uma espécie de estratégia, um chamariz para a jogatina. Mas eu não estava ali para jogar! O que eu queria mesmo era…

Opa! Começou! Cauby entrou, elegantérrimo, sob gritos de vozes femininas, paralisando o movimento dos meus olhos. Fiquei inebriada com aquela imagem, com aquela presença e, principalmente, com aquela voz afinadíssima e mais límpida do que a que ouvia nos discos de vinil. Percebi umas senhoras chegando perto do palco e entregando flores a ele. Eu não tinha pensado nisso! Para não deixar de vivenciar também a experiência da aproximação, à certa altura, fui até sua frente e, com os olhos esbugalhados, entreguei-lhe um bilhete:

Cauby,

Por favor, toque Conceição para mim.

Um beijo,

Christininha

Christininha era como me chamavam em Niterói (e me chamam até hoje). Virei para voltar a meu lugar, mas, antes do meio do caminho, ouvi a voz dizer: “Muito bem, Christininha! Aprendeu direitinho com o papai e com a mamãe!” Todos riram, não sei se dele ou de mim. Sei que ele cantou e eu, naquela noite, senti que o hit foi dedicado a mim.

Anos depois, em 2013, reencontrei Cauby Peixoto. Eu já com quase 33, abordei-o na escadaria do Theatro Municipal do Rio de Janeiro logo após o fim da 24ª edição do Prêmio da Música Brasileira. O cantor tinha levado dois troféus e dado uma bitoca na apresentadora, Zélia Duncan. Eu, que não tinha tietado ninguém (parei com isso depois que ingressei no mercado de trabalho), corri para pedir uma foto. Era Dia dos Namorados e o meu, que me acompanhou nessa cobertura, ficou com a câmera na mão. Ao me aproximar e fazer o pedido, ouvi do astro: “Só se você me der um beijo!” Fiz bico e me aproximei de sua bochecha, mas fui surpreendida por uma virada de cabeça que levou a boca de Cauby até a minha. Culpa dele, tenho testemunha! Juro que só queria uma foto com o mestre, mas confesso que amei ter saído com uma relíquia.

Aquele foi o primeiro show e esse foi o último beijo. Cauby Peixoto foi embora hoje, deixando já muita saudade. Faltou ele cantar mais uma vez para mim. Que não falte música no céu nem homenagens na Terra. E que a falta se transforme em boas lembranças. Descanse em paz, Cauby!

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