Letícia Persiles foi a voz da banda Manacá, os olhos de ressaca da minissérie Capitu e Miriam, a protagonista da novela Amor Eterno Amor, da TV Globo. Agora, a artista interpreta ela mesma em “As Cartas de Amor e Saudade”. O álbum foi gravado de forma independente, distribuído pela Tratore e está disponível para venda no iTunes. Com oito faixas, o disco prioriza os instrumentos acústicos de Allan Harbas (violão flamenco), Beto Angerosa (percussão), Fabiano Segalotte (bombardino e trombone), Guto Wirtti (baixo acústico), René Rossano (violão) e Toninho Ferragutti (acordeon). Os arranjos levam a assinatura de Ferragutti, que fez a produção em parceria com Chico Neves, Paulo Brandão e a própria Letícia. A faixa bônus, “Quem sabe”, é de Carlos Gomes, mas foi gravada pelo Manacá para a trilha sonora de “Capitu”.
Nesta terça-feira (04/06), a atriz, cantora e compositora convida para o lançamento de “As Cartas de Amor e Saudade”, com Toninho Ferragutti (acordeon), Beto Angerosa (percussão), João Lenhari (trompete) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo acústico), às 21h30, no Solar de Botafogo. No repertório, composições próprias, como “Tamarametista”, “No Passo do Passarinho” e “Catavento”, além da leitura de “Dos Cruces”, do espanhol Carmelo Larrea, e de “Youkali Tango”, do alemão Kurt Weill. O show acústico e intimista marca a volta da cantora aos palcos após um temporada dedicada, como atriz, à televisão.
Confira uma entrevista feita a quatro mãos pelo GarotaFM e por Monica Ramalho, do site Caixinha de Música.
Chris: Desde quando te vi cantando pela primeira vez, no Manacá, fiquei curiosa para saber de onde vinham suas influências. O que você costumava ouvir até aquela época?
Letícia: Naquele momento, eu estava muito envolvida com as sonoridades do Nordeste brasileiro, principalmente as mais tradicionais, as folclóricas. Mas, além disso, ouvi muito chorinho, tango, rock e jazz em casa. Minha mãe toca piano, tanto clássico como popular, assim, cresci ouvindo todo o seu repertório que ia de Chopin a Pixinguinha e Carlos Gardel. Já meu primeiro disco de rock foi um álbum da Janis Joplin que herdei de meu pai.
Chris: Já conversamos um pouco sobre suas pesquisas pelo Nordeste, mas acho que seria bacana os leitores também saberem um pouco mais sobre essa experiência.
Letícia: Bem, quando terminava de cursar Produção Cultural na UFF, decidi fazer minha monografia sobre A Pedra do Reino. A princípio, pensei em fazer o trabalho sobre o Sebastianismo, porque a história de Dom Sebastião, o Desejado e a Batalha de Alcácer Quibir me fascinou. Quando comecei a estudar seus desmembramentos no Brasil e descobri o lendário movimento da Pedra do Reino, tão mais próximo de mim em termos culturais e geográficos e, ao mesmo tempo, tão interessante quanto suas origens em Portugal, me encantei tanto que acabei me aprofundando nesse fato histórico tão pouco explorado. Assim, além de ter feito as malas e ido ao trabalho de campo no sertão do Cariri, Serra Talhada e enfim a Serra do Catulé, ao encontro da própria Pedra, me envolvi inevitavelmente com o universo de Ariano Suassuna e o movimento Armorial. Estive tão enfeitiçada por essa atmosfera mística do folclore nordestino que, todos os lugares que eu visitava em pesquisa eram espaços sagrados pra mim. Estive na Pedra do Ingá, em vários locais do Cariri, na própria Pedra do Reino, fiz a Romaria de Padre Cícero… Confesso que acabei nunca escrevendo a monografia, talvez porque minha experiência tenha atingido esferas muito além das acadêmicas… e porque fui um pouco preguiçosa também! Mas trouxe de lá a maioria das composições do Manacá.
Chris: O que você ouviu, estudou ou experimentou depois do fim da banda, que veio a ser usado neste novo trabalho?
Letícia: Acho este novo trabalho foi muito mais influenciado por mudanças internas do que por novas descobertas musicais, literárias ou artísticas em geral, mas não posso dizer que elas não existiram e que nada fizeram em mim. Como nesse novo trabalho pensei desde o início em arranjos que priorizassem ou que simplesmente tivessem só o acordeon, busquei me envolver com muitas sonoridades onde este instrumento estivesse bem inserido. Não só procurei por novas descobertas como Yann Tiersen, André Minvielle,Teodoro Anzellotti, mas voltei a discos e artistas que eu já conhecia, algumas bandas como Les Yeux Noir, Luiz Gonzaga, Bratsch, Edith Piaf…
Mônica: Com quem você dialoga da sua geração?
Letícia: Não sei se chega a ser um diálogo, mas dos artistas atuais, gosto muito do A Hawk and a Hacksaw, Balcony Players, da cantora Camille, do já findado Cordel do Fogo Encantado, Siba e a Fuloresta.
Chris: Como você acha que a maternidade influenciou durante a pré e a produção de “As Cartas de Amor e Saudade”?
Letícia: A maternidade é um grande marco na vida de uma mulher, é de fato o momento em que vivenciamos reais e grandes mudanças não só no cotidiano, mas dentro de nós mesmas. Pra mim, a maternidade trouxe principalmente um encontro com um novo olhar sobre o tempo, a descoberta de um novo ponto de vista em relação ao ritmo do mundo em eu vivia. Ou seja, foi uma grande ruptura com todos os meus hábitos e valores anteriores a essa experiência. Isso naturalmente localizou a sonoridade e os temas das músicas compostas nesse período. Mas, considerando que a maternidade nos traz mudanças definitivas, tudo que for produzido ou mesmo vivido após essa experiência estará sobre sua influência.
Chris: Depois de liderar uma banda de rock, como descobriu como testou essa nova sonoridade para sua música?
Letícia: Acho que gosto de não fazer sempre a mesma coisa, não tenho a menor vontade de fazer um trabalho igual ao anterior, afinal, existem tantas possibilidades sonoras e estéticas, por que repeti-las?
Mônica: As suas músicas são bucólicas, rebuscadas, falam de passarinhos e tem uma sonoridade de outro tempo. O que inspira você, Letícia? E como é o seu processo criativo?
Letícia: Bom… sempre admirei muito as melodias e as letras da música tradicional popular não só brasileira, mas de outras partes do mundo, afinal o popular e o folclórico de tão enraizados acabam se encontrando com o universal e essa verdade e esse vínculo com o sagrado que há nas manifestações populares é algo que sempre me fascinou. Acho que uma parte de mim pensa nesse conjunto de elementos na hora de compor, a mistura do sagrado com o profano e uma simplicidade nas palavras que na verdade carregam simbologias muito fortes.
Mônica: Vejo que o figurino é parte importante da sua música. Por quê?
Letícia: Acho que é porque venho do teatro, porque o palco é um espaço sagrado pra mim e cantar é como atuar. É necessário uma vestimenta ou um adereço, uma maquiagem ou alguma coisa que diferencie você próprio daquele personagem que será trabalhado.
Chris: Fale sobre as mudanças na sua voz, que são perceptíveis quando ouvimos o disco do Manacá e esse solo.
Letícia: Bem, nós nunca podemos pensar que já estamos prontos e preparados… eu continuei estudando canto, ainda continuo e, agora, tendo nesse trabalho arranjos com instrumentos acústicos, pude explorar melhor regiões diferentes da voz, e posso dizer também que mais confortáveis.
Mônica: Neste disco de estreia solo, você tem um trunfo: os arranjos e o acordeon do Toninho Ferragutti. Como vocês se conheceram e efetivaram essa parceria?
Letícia: Tivemos a honra de ter Toninho uma vez tocando com o Manacá em 2009, quando fizemos a abertura do show do Beirut. Fizemos apenas um ensaio e sua participação foi ótima. Em 2010, quando comecei a compor as músicas desse disco, pensei em gravá-las apenas com voz e acordeon, assim mandei pro Toninho uma gravação bem caseira de “Catavento” e o convidei para trabalhar comigo nesse disco e, para minha surpresa e alegria, esse cara, que é uma referência do acordeon no Brasil, aceitou o convite e, desde então, temos sido ótimo parceiros. Toninho é um querido, além de ser um grande músico.
Muito boa entrevista e poder descobrir um pouco mais dessa revelação da música brasileira! 😉 Continue nos enchendo bons conteúdos Chris.