Não foi no Rio de Janeiro que Thaís Gulin conheceu o funk das cachorras. Nem em Curitiba, onde nasceu e para onde alguns dos hits do gênero viajaram no auge do sucesso dos MCs cariocas. Acho que podemos dizer que “funk das cachorras” é um gênero, né? Afinal, tantos hits exaltando bundas, peitos e atitudes foram compostos para essas mulheres… Bom, mas aqui o que importa é a relação da cantora com esse tipo de música.
Foi nos Estados Unidos, durante um período em que morou lá para um intercâmbio, que Thaís descobriu “Baby Got Back”.
Quase 20 anos depois, o hit de Sir Mix-a-Lot, que era um super sucesso nas rádios americanas nos anos 90 e exaltava o gosto do rapper por bundas grandes, voltou à mente da namorada de Chico Buarque e acabou transformando o que seria o primeiro clipe do disco “ôÔÔôôÔôÔ” na subversão da música “Cinema Americano”. Com direção de Gringo Cardia, “Cinema Big Butts” mistura as duas canções citadas neste parágrafo em um clipe que mostra Thaís com duas caras. Ou melhor, com duas bundas.
“Se você prestar atenção, as letras parecem opostas, mas são complementares. Acho que essas canções são irmãs. Em ‘Baby Got Back’, canto que gosto de bundas grandes. Em ‘Cinema Americano’, canto que é preciso mais do que o pau grande para ser bom de cama. E a música do Sir Mix-a-Lot ficou na minha cabeça por muito tempo. Comecei a cantar nos ensaios, em casa, fiquei obcecada. Voltei a ouvir tudo que ouvia quando era adolescente e questionei minha distância dessas músicas que ajudaram na minha formação. Eu amava The Doors, Bad Religion etc”, conta Thaís.
A saber… durante sua temporada em Maple Grove, a cidade de Minnesota que a acolheu, assistiu de perto a tudo o que aqueles filmes americanos da Sessão da Tarde costumam nos mostrar. O ano era 1995. Com 15 anos na época, foi estudar numa escola “gigante” e viu meninas brincarem de jogar neve umas nas outras, conheceu as famosas cheerleaders, sacou o que rolava num espaço atrás do prédio chamado pelos alunos de The Cage e se meteu em muito show maneiro: 
“A galera era meio obscura, ouvia muito rock’n’roll. Totalmente cinema americano. No primeiro dia de aula, eu ria sozinha no corredor. Cheguei no locker e vi que parecia filme. Eu era sênior e estudava com os adolescentes de 18. Era muita diferença de idade. Eu achava tudo muito louco. Todos aqueles clichês, aquelas frases, aqueles lockers, aquela turma de amigos… fiquei um ano. Ouvi muito Candlebox e Offspring. Tive uma amiga, a Janet, que namorou um cara do Soul Asylum e nos levou a um show do Radiohead. Era muito legal. Aí passei a ouvir também Coolio, TLC, e me apaixonei por “Baby Get Back”. Passei uma tarde tirando a letra para poder cantar junto. Era o funk das cachorras de lá.”
Para Thaís, o mais divertido era o jeito sensual, “ao mesmo tempo que tosco”, com o qual Mix-a-Lot falava das mulheres. Trechos da música acabaram se misturando de vez com “Cinema Americano”: “Começamos a misturar as duas nos shows e sempre funcionava. Como o disco já estava lançado há um ano e meio quando começamos a falar em gravar um clipe, achei melhor fazer algo novo do que pensar numa ideia para uma música de quase dois anos de existência.”
A composição de Rodrigo Bittencourt, gravada originalmente como um samba, ficou mais pesada com a produção musical de Arto Lindsay, Mauro Berman e da própria Thaís. Um baixo bem marcado, programações e o trombone fazem “Cinema Americano” combinar melhor com “Baby Got Back”. No clipe, as duas se entrelaçam enquanto Thaís interpreta cada uma delas num estilo. Quando é a vez da canção de “ôÔÔôôÔôÔ”, ela aparece toda arrumada, circulando em volta de uma mesa cheia de sambistas, todos também alinhados. Há uma seriedade da parte dela e muita elegância, mas também movimentos de sensualização. Durante o rap de Mix-a-Lot, a cantora dança com sensualidade já escrachada, vestindo meia-calça rosa choque, body e saia azul e usando sombra laranja nas pálpebras.
“Conheço o Gringo desde que cheguei no Rio, há 11 anos. Ele foi o cenógrafo da primeira peça que fiz aqui, ‘Dusekolândia’. Eram esquetes com músicas de Eduardo Dusek. Tentamos brincar com o clichê que é o cinema americano. Aquele cabelo, aquelas roupas, o colar de pérolas, os olhares… é o oposto da minha forma de cantar! E, na outra parte, enfiei aquela roupa, a sainha e rebolei de salto rosa choque… isso era algo impensável! Achei divertido fazer esse clipe por causa disso. Enquanto se critica de alguma forma o cinema americano, ele está todo ali. E trouxe o meu lado atriz… essa cara, essa coisa da coisa mulher rica com preguiça de olhar e super blasé não sou eu”.
Falou e disse!
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