Garota FM

A celebração dos 427 anos da fundação de João Pessoa, capital da Paraíba, é neste domingo, afinal, foi no dia 5 de agosto de 1585 que Nossa Senhora das Neves virou a padroeira e deu nome à cidade (a polêmica¹ escolha da alcunha do político paraibano para a mudança do nome aconteceu em 1930). Mas foi entre quarta e sábado (01 a 04/08), durante a Festa das Neves, que o público paraibano mostrou que respeita sua música e também abre os braços para o que vem de fora. No palco montado no Ponto de Cem Réis, onde está localizado o tradicional Paraíba Palace Hotel, não teve espaço para o “forró de plástico”² tão abominado por Chico César³, músico e Secretário de Cultura do Estado da Paraíba desde 2010. Entre shows de Odair José, Zeca Baleiro, Wanderléa e Renato e seus Blue Caps, um dos maiores destaques foi Totonho, filho de uma cidade vizinha chamada Monteiro que radicou-se em João Pessoa e depois no Rio de Janeiro, e, toda vez que volta para “casa”, conquista mais admiradores com seu repente eletrônico.

“Esse já entrou na minha agenda como um dos shows mais importantes, porque eu consegui juntar muitos amigos aqui em João Pessoa. E também é aniversário da cidade. Foi uma noite agradável. Choveu, mas o público não arredou o pé”, comentou após o show.

Totonho subiu ao palco por volta das 21h30 de quinta-feira (02/08), esquentando os ânimos antes de Zeca Baleiro assumir o público do Ponto de Cem Réis. Havia quem estivesse ali à espera do músico maranhense, parceiro de Totonho em diversas composições. Mas, cedo, uma massa de fãs do paraibano ocupou a frente do palco para cantar junto com ele sucessos que não tocam em rádios caretas, mas estão na boca do povo. “Segura a Cabra”, “Nhém Nhém Nhém” e “Tudo Pra Ser Feliz”, do primeiro disco (“Totonho & Os Cabra”), são sem dúvida hits já estabelecidos entre jovens abertos ao que foge totalmente do tradicional. Enquanto o ídolo misturava repente com ritmos diversos (carimbó, funk, soul, rock, MPB etc), com guitarra e programações eletrônicas, moças e rapazes seguiam coreografias apresentadas no palco ou inventavam novos bracinhos e/ou passinhos que combinavam com as músicas.

Totonho, venha salvar a música

Além de estar no repertório, “Totonho Venha Salvar o Mundo”, do segundo álbum (“Sabotador de Satélite”), estava também na boca do povo: entre uma música e outra, alguém suplicava pelo salvamento. A exaltação de “Você Tá Doida Pra Me Dar”, do mesmo CD, tem sido tão grande na Paraíba que Baleiro convidou Totonho para, com sua banda durante seu show, repetir o número que já havia sido apresentado. Do terceiro trabalho (“Canções Para Macho Chorar e Roer Unha”), ainda não lançado devido a burocracias que artistas independentes são obrigados a encarar, ele tocou “Tem mais Igreja que Supermercado”.

“Sei que vocês ainda vão me dar razão de que essa música é, no mínimo, curiosa”, brincou Totonho, anunciando em tom de ironia: “Se o Cão não atrapalhar mais, se o Satanás não botar o pé pra eu cair, o disco novo vai sair este ano.”

Essa mesma irreverência da fala, Totonho leva para sua música. Autenticidade é a palavra e transparência é a bandeira do músico paraibano. Talvez por isso seja tão adorado por quem conhece sua obra e tão pouco compreendido por “profissionais” do mercado discográfico. Mas isso não abala Totonho a ponto de paralisá-lo. Para além dos shows, gravações e projetos dos quais participa, esse “Cabra” – como sempre foi chamado por seu pai –  tem uma história linda com a Educação. Totonho é pedagogo pós-graduado e tem em seu currículo uma série de projetos com ONGs, escolas, grupos etc. No Rio de Janeiro, onde já fez uma turnê de cinco shows em um dia em lugares inusitados (como um açougue, por exemplo), a todo momento é convocado para atuar em “frilas” educacionais. E a vida de Totonho, que nasceu em 1964, nunca foi moleza, não. Quando jovenzinho, foi vendedor de buchada de bode em Monteiro.

“Um dia, fugi da escola e, no dia seguinte, meu pai me fez faltar aula para cortar lenha. Quando eu já estava com os braços sangrando, ele perguntou: ‘Você quer sair da escola para assumir esse trabalho?’ Claro que achei melhor estudar”, contou Totonho em um bate papo com um dos músicos ainda no avião.

Totonho é querido por todos em volta. E faz quem estiver perto rir com seu vocabulário próprio (ou característico do semiárido), muitas vezes, difícil de compreender. Risadas correram soltas no camarim em que se reuniram os músicos que o acompanharam no show da Festa das Neves: Gustavo Benjão (guitarrista da banda Do Amor); Robson Vintage (baterista da banda de BNegão & Seletores de Frequência); Chico Corrêa (guitarrista da paraibana Electronic Band); DJ Guirraiz (famoso em João Pessoa); Flu (baixista do DeFalla); e Lars Hokenberg (tecladista que também toca acordeão). Mas, também, quando está tenso, os companheiros de Totonho percebem, apesar de não o verem exaltado.

“A gente acha que essa é a missão, compositores como a gente, que não ficarão para a posteridade da música brasileria… Eu nem gosto de posteridade! Pra mim, importante é o poste, se tiver lâmpada para clarear nossos caminhos, que dependem de vocês”, brincou Totonho, em um vídeo informal de apuração, direcionando o papo para os leitores do GarotaFM.

Totonho sempre se apresentou ao lado de sua banda como Totonho & Os Cabra. Seu primeiro disco, de 2001, foi produzido por Maurício Tagliari e Carlos Eduardo Miranda, com faixas assinadas por Berna Ceppas & Kassin e por Flu (e co-produção de Rica Amabis). O segundo álbum, de 2005, tem os nomes Kassin, Berna Ceppas e Carlos Eduardo Miranda na produção. Ambos saíram pela Trama.

Entenda:

1 No ano da fundação do Estado e do município, no dia 5 de agosto de 1585, a padroeira, Nossa Senhora das Neves, foi a homenageada, dando o primeiro nome ao município, “Povoação de Nossa Senhora das Neves”, variando para “Cidade de Nossa Senhora das Neves” em 1589 e “Cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves” em 1600, em homenagem ao rei Filipe, que acumulava os tronos da Espanha e de Portugal. Sua denominação atual, João Pessoa, é uma homenagem ao político paraibano João Pessoa, assassinado em 1930 na cidade do Recife, quando era presidente do estado e concorria, como candidato a vice-presidente da República, na chapa de Getúlio Vargas. A Assembleia Legislativa Estadual aprovou a mudança do nome da capital em 4 de setembro de 1930. Há algum tempo, cidadãos pessoenses discutem a possibilidade de rever a homenagem e substituir o nome de João Pessoa por outro. Fonte: Wikipedia

2 “Forró de plástico” refere-se ao forró estilizado, que tem influências de axé, sertanejo, música eletrônica. Seus autores abusam de temas sacanas e, muitas vezes, usam linguagem de baixo nível. Os refrões, em geral, são vazios (com pouca mensagem) e grudentos (de música chiclete). Na Bahia, o equivalente é o “forró elétrico”.

3 Chico César se tornou um dos temas mais comentados depois que defendeu que o governo não financie shows de bandas eletrônicas, comerciais, de forró, mas que investisse em grupos mais tradicionais (Fonte: G1). “O governo do Estado não pretende pagar duplas sertanejas, não pretende pagar forró de plástico”, declarou o secretário de Cultura. De acordo com Fernanda Paiva no blog Um Pop de Tudo, que trocou tweets com a Secretaria de Cultura da Paraíba, eles tuitaram o seguinte: “A Secretaria respeita a produção cultural dessas atrações, mas a prioridade é a valorização de artistas menos conhecidos que prezam pelas tradições artísticas do estado, o forró pé-de-serra e que não contam com divulgação das mídias”. O G1 divulgou uma entrevista em que Chico César se defendeu pouco tempo depois dos pró-forró de plástico darem início a uma implicância sem fim: “O que coloquei, e que precisa ser compreendido, é que há uma lei estadual anterior à minha gestão que diz que o governo não pode pagar cachê a grupos que não têm relação com a tradição de São João. Não fui eu que inventei isso.”

Christina Fuscaldo (texto e fotos) foi convidada pela Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope).