Artigo publicado na The Mark em 30/05/2012
Adoro qualquer alimento combinado de elementos ou molho de sabor agridoce, mesmo sabendo que o amargo sempre me causou pavor. Quando pequena, lembro que costumava beber água até encher a bexiga quando errava no furto à geladeira e acabava roubando o chocolate meio amargo do meu pai. Já o sabor aprazível do chocolate branco me fazia deleitar de uma barra inteira sozinha. Não sei como não fui uma criança gorda… Com o tempo, o doce foi deixando de ser necessidade e eu consegui me tornar uma pessoa preparada para todos os sabores. Com a vida não foi diferente e, depois de muitas dores e delícias, acho que aprendi a equilibrar momentos de doçura com os de amargura ou mesmo de acidez e, assim, curtir de maneira particular cada dia de uma vez. Nesta última semana, vivi essa mistura e agradeço a Pitty & Martin e a Tom Zé por terem me ajudado a passar em mais um teste.
Agridoce é o nome do projeto que Pitty e o guitarrista de sua banda, Martin Mendezz, vêm tocando (e com o qual a dupla vem brincando) desde 2010, sendo que agora saiu do playground para os palcos e para o mundo dos discos. Na quinta-feira (24/05), eles levaram o repertório para um Teatro Rival lotado. Doce como nunca vista antes, Pitty nesse show canta sentada ao piano, vestida de menininha. Martin acompanha a parceira ao violão, deixando qualquer amargura para o imaginário da plateia. Findado o show, corri para escrever no GarotaFM, blog que planejei por quase dez anos e lancei em 2009 com o intuito de apenas ter um espaço para despejar tudo o que vejo e sinto, musicalmente falando, durante minhas aventuras pela cena jornalístico-musical. Montado por um amigo designer em WordPress, o site substituiu espaços para os quais escrevia desde 2000, mas não me faziam sentir aquela plenitude de quem tem poder sobre sua obra. Depois dele, até mesmo trabalhar em outras coisas que não fossem música ficou mais fácil. Naquela noite agridoce, foi só começar a escrever, cheia de doçura no coração, que lembrei de um fato ocorrido na mesma semana e o sabor amargo acabou com minha inspiração. Fui beber água, muita água, e dormir, deixando meio post em rascunho por terminar.
Calma, não foi Tom Zé que me fez perder a tranquilidade. Mas uma senhora que, durante uma entrevista, quis aniquilar o sonho que eu sonho desde que decidi viver com a música em uma de suas diversas formas: escrevendo. Eu nem estava procurando sarna para me coçar, pois sigo tranquila trabalhando há um ano e meio no Globo Cidadania, com temas que me desafiam (e, para um jornalista, desafio é o que há) e brincando profissionalmente com a música a cada matéria que uma revista pede para eu fazer ou release solicitado por um artista. Com tudo isso ou sem nada disso, o GarotaFM está sempre comigo, ganhando coberturas, resenhas, entrevistas etc. Eis que, um belo dia da semana passada, uma amiga me chama para trabalhar com ela na comunicação interna de uma instituição. Digo que não. Ela insiste: por termos trabalhado juntas em outros tempos, seria uma ótima oportunidade de retomarmos a relação. “Não me interessa mudar agora”, explico. Mas ela oferece tantos benefícios que decido, pelo menos, conversar com sua contratante. Vai que, no futuro, eu queira uma vaguinha por lá… Encontro marcado.
Trocamos meia dúzia de chorumelas antes de vir a fatídica pergunta: “Você abriria mão do seu blog para trabalhar com a gente?” Virei Didi Mocó na hora: “Cuma?” Pausa dramática. “Claro que não!” Se desde o começo da faculdade ocupo espaços em revistas, sites, jornais e páginas da internet, e nunca tive problema com isso nos outros trabalhos, por que mudar agora? “É que primamos pela discrição dos nossos profissionais”, disse a dona. Hey, o GarotaFM é muito mais sério do que muito perfil de Facebook no qual a pessoa despeja uma série de comentários e sentimentos pessoais muito menos discretos! Vale ressaltar que a moça havia falado minutos antes que é viciada na rede social. Naquele momento, o café adocicado que bebia (e os mais íntimos sabem que costumo encher a xícara de açúcar) virou um poço preto de amargura e a água não deu nem para a saída. Agradeci, disse saber que não era mesmo a hora de sair de onde estou e fui embora, não sem antes deixar minha mensagem: “Com esse salário e com esses pré-requisitos, acho que vocês precisam de um profissional sem sonho.”
Eu realmente não queria aquela vaga, juro. Mas não deu para sair indiferente: ouvir alguém pedindo para eu detonar meu blog doeu. Antes não tivesse ido. E, para não sair dali direto para um hospital, nem comentei que também me delicio toda semana com os textos doces e amargos que escrevo para a The Mark. Imagina o que aquela mulher sem sonho ia pedir para eu fazer com minha participação na Markusic? Não! Beijo! Voltei ao trampo, aceitei o convite para assistir ao show do Agridoce e, no dia seguinte, depois de uma noite de pesadelos e pensamentos, peguei um avião para Curitiba, onde encontraria meu companheiro fiel nos programas mais divertidos que tenho feito nos últimos dois anos. “Tem show do Tom Zé no MON. Vamos?”, propôs ele assim que desembarquei.
O convite não podia ter vindo em melhor hora. Tom Zé, um artista controverso que ajudou a mudar a história da música brasileira junto ao povo da Tropicália, faria uma apresentação no sábado (26/05), no Museu Oscar Niemeyer, dentro da programação do Festival Internacional de Teatro de Objetos (FITO). E com letras cheias de doces amarguras (ou amargas doçuras), o baiano vestido de operário tocou martelo-em-capacete e esmeril-em-ferro e me fez ter certeza de que… posso até um dia achar que vale a pena abrir mão do blog ou de um espaço aqui ou outro ali, mas… seja da maneira que for (tocando, escrevendo ou apenas escutando), a música vai ser sempre o sonho que não vou deixar de sonhar.
E quem quiser saber sobre o último show que Tom Zé fez no Circo Voador, no Rio de Janeiro, leia no GarotaFM: Tom Zé encarna Wando em ‘A noite das calcinhas’, no Circo Voador