Turistas Acidentais: A saga errática e tragicômica de dois brasileiros confundidos com terroristas nos Estados Unidos

Posted by Chris Fuscaldo Category: Trabalhos

Você lê esta matéria na íntegra na edição 49 da Rolling Stone, novembro/2010 (leia este mesmo trecho clicando aqui)

Foto de Rodrigo Peixoto

Foto de Rodrigo Peixoto

“Did you find my bomb?” A pergunta do brasileiro Mizael Mendonça Cabral foi endereçada ao funcionário da Administração de Segurança no Transporte (TSA) no Aeroporto Internacional de Miami, no momento em que se iniciava a revista de sua bagagem após a passagem pelo raio-x. Naquela noite de outubro de 2004, Mizael descobriu a duras penas que “bomb” era a palavra errada para se referir a uma bomba de sucção – o correto seria “pump”. Ao seu lado, o amigo Daniel Augusto Grilo Corrêa também se desentendia com os oficiais. “Não abre a mala, não”, ele pediu ao agente encarregado. “Porque está tão cheia que pode explodir.”

A cena teve requintes de uma comédia de pastelão. Graças ao reforço de segurança imposto pelos Estados Unidos depois dos ataques terroristas de setembro de 2001, rapidamente Mizael e Daniel se viram cercados por membros da TSA, que não hesitaram em acionar o FBI. Algemados, os brasileiros não conseguiam explicar o mal-entendido. Nada ajudou o fato de ambos estarem ilegalmente no país. Acabaram detidos. Já encarcerados, enquanto tentavam entender o que acontecia, as manchetes pipocavam na imprensa de todo o mundo: “Brasileiros presos em Miami como terroristas”.

Faltava menos de uma semana para as eleições que levariam George W. Bush à presidência dos Estados Unidos pela segunda vez. No seu primeiro mandato, principalmente depois do ataque que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, a ordem geral era combater o terrorismo: toda ação nesse sentido poderia aumentar a popularidade de Bush entre o traumatizado povo norte-americano e, consequentemente, render-lhe votos. Enquanto Mizael e Daniel já acreditavam que serviriam de bodes expiatórios, os jornais locais os chamavam de “terroristas brasileiros” sem hesitação. “O engraçado é que, quando estávamos naquela salinha da imigração, um cara do FBI disse que íamos sair dali em breve”, conta Daniel. “Eram dois agentes a favor e dois contra. O interrogatório foi até duas da manhã. Aí um cara chamado Malone falou: ‘Vamos investigar esses caras’. Foi quem ferrou a gente. E fomos para a cadeia.”

rollingstoneDaniel Corrêa tinha 27 anos na época, e havia passado os últimos cinco juntando dinheiro nos Estados Unidos, onde sua mãe morava legalmente. Moreno, de sobrancelhas grossas e nariz bem delineado, ele poderia passar facilmente por um “homem-bomba”, não fosse pelo sorriso constante no rosto e pela dificuldade em focar sua atenção em um só assunto. Mizael, loiro, olhos azuis e jeito de surfista, então com 29 anos, estava na mesma situação de ilegalidade – com o agravante de a família estar concentrada na Paraíba.

Quando um funcionário dos correios bateu na porta da casa de Hilda Grilo Patton, mãe de Daniel Corrêa, e lhe entregou uma caixa com as roupas e sapatos dos rapazes, ela só conseguiu imaginar o pior. Ao identificar o remetente, ela correu para a prisão. Não teve acesso ao filho exatamente por ser cidadã norte-americana: ao adotar o nome de família do marido, Hilda passou a não ter mais o sobrenome igual ao do filho. E não adiantava dizer que os dois tinham o Grilo no nome. “Só pude ver meu filho no primeiro julgamento, que aconteceu uma semana depois”, conta. “Tentei falar com o Daniel, mas o advogado de defesa pedia para que ele não ouvisse ninguém. Eu só queria dizer: ‘Pede desculpas, meu filho’. Eu havia acompanhado um caso em que um traficante da Colômbia se safou após pedir desculpas. Em seu julgamento, ele disse que não sabia quem tinha colocado 5 quilos de cocaína na sua mala. O juiz sorriu e liberou o homem para voltar para seu país. ‘Sorry’ é uma palavra que tem muita força aqui nos Estados Unidos.”

(Continua na revista)

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2 thoughts on “Turistas Acidentais: A saga errática e tragicômica de dois brasileiros confundidos com terroristas nos Estados Unidos

  1. Nossa Chris, a matéria tá ótima. Eu já estudei superficialmente o sistema jurídico estadunidense, mas ao ler sua matéria fiquei ainda mais chocado de como tudo lá é tratado como negócio, até o direito de liberdade. Essa ideia de liberdade mediante pagamento de fiança é muito cruel. No caso da mãe do Daniel, fez com que o filho ficasse preso acusado de terrorismo injustamente, dependendo de um sistema jurídico que só o liberou depois que ela conseguiu levantar dinheiro para pagar pela sua liberdade. Muitos criticam o sistema jurídico brasileiro, mas é porque nunca viveram uma situação como essa fora do país.

    Beijos, parabéns gatinha!

  2. Pois é… Não que o brasileiro seja uma maravilha, mas pelo menos é mais humano. Aliás, entre as autoridades dos Estados Unidos, quase nada é humano. Hoje mesmo, no aeroporto de São Francisco, me colocaram em um tubo praticamente me scanearam. Espero que não tenham visto o que tenho por baixo das minhas roupas íntimas… Um horror!

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