Quem esteve no Circo Voador no último fim de semana teve a oportunidade de testemunhar o encontro histórico entre Caetano Veloso e Gilberto Gil que em 2015 virou turnê e DVD de comemoração pelos 50 anos de parceria. Os ingressos para os três dias de show se esgotaram rapidamente, assim como já tinha acontecido quando a dupla se apresentou no Citibank Hall. Quem viu Dois amigos – Um século de música, chorou com Caetano em plena forma vocal e com seu violão modesto e com Gil não cantando mais com tanta potência, porém impressionando muito como instrumentista.
A não ser pela inclusão de Odeio, faixa do disco recente de Caê Cê (2006), que pareceu não ter nada a ver com a proposta, o repertório é primoroso. Mas até que, na semana em que o controverso presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aceitou o pedido de impeachment por partidos da oposição contra a presidente Dilma Rousseff (PT), a música veio a calhar. Naquela sexta-feira (04/12), toda vez que o baiano cantava com raiva “Odeio você”, as pessoas gritavam “Cunha!”. No final, o cantor fez um joinha para a plateia. Fora esse momento, a política não deu o tom. Só lembraram que Gil teve sua participação nessa história os que identificaram que sua voz começou a dar sinais de fraqueza na época em que ele foi ministro da Cultura do governo Lula. Fora isso, o show foi só de alegria.
O começo emocionou com os dois interpretando Back in Bahia (Gilberto Gil, 1972) e Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967). Depois, eles começaram a se alternar e, após Caetano entoar Tropicália (Caetano Veloso, 1967), foi a vez de Gil mostrar sua Marginália II (Gilberto Gil e Torquato Neto, 1967). Os dois foram de É luxo só (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1957) e De manhã (Caetano Veloso, 1965) para, depois, dividirem-se novamente. Não sem antes, Caê soltar uma gota de história:
“Essa que a gente acabou de cantar é a mais antiga eu compus. Faz muito tempo! E agora vamos cantar a mais nova, que compusemos na volta da turnê da Europa pra apresentar no Brasil”.
As Camélias do Quilombo do Leblon não empolgou muito. Falando das flores do bairro da Zona Sul do Rio, também não pareceu muito interessante num primeiro momento. Mas é preciso entender a canção. Nessa primeira parceria dos dois desde o álbum Tropicália, de 1993, eles traçam um paralelo entre o que conheceram quando, durante esta turnê, visitaram Susiya, cidade de Israel onde vivem 340 palestinos que correm o risco de terem suas casas demolidas pelo governo local, e o drama da escravatura no Brasil.
Caê fez belíssimas interpretações de Sampa (Caetano Veloso, 1978), Terra (Caetano Veloso, 1978), Nine out of ten (Caetano Veloso, 1972) e Tonada de luna Ilena (Simón Díaz, 1973). Depois, foi a vez de Gil encarar Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965) e Super homem, a canção (Gilberto Gil, 1979). O primeiro voltou a mostrar seus conhecimentos linguísticos ao cantar em italiano Come Prima (Alessandro Taccani, Enzo Di Paola e Mario Panzeri, 1957) e o outro voltou a atrair a adesão da plateia ao puxar Esotérico (Gilberto Gil, 1976) e Drão (Gilberto Gil, 1982). Entre uma e outra, dispersou um pouco ao interpretar em espanhol (e só fazendo batidas em seu violão) Tres Palabras (Osvaldo Farrés, 1946).
Gil emocionou mais um tanto com Se eu quiser falar com Deus (Gilberto Gil, 1980), Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972) e Toda menina baiana (Gilberto Gil, 1979). Nesta última, com as cordas vocais aquecidas, ele deu seus gritos típicos por muito tempo: a resposta da plateia alegrou Caetano demais. A dupla voltou a cantar junto em São João Xangô Menino (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1976), Nossa gente (Avisa lá) (Roque Carvalho, 1992), Andar com fé (Gilberto Gil, 1982) e Filhos de Gandhi (Gilberto Gil, 1973). No bis, vieram as tão esperadas Desde que o samba é samba (Caetano Veloso, 1993), Domingo no Parque (Gilberto Gil, 1967), Luz de Tieta (Caetano Veloso, 1996) e, de tanto pedirem mais, O leãozinho (Caetano Veloso, 1977) e Aquele Abraço (Gilberto Gil, 1969).
- Fotos de Caetano e Gil por Filipe Marques (Foto: Reprodução de Facebook)
Agradecimentos ao blog Notas Musicais, do jornalista Mauro Ferreira, pelos detalhes sobre cada faixa (autoria e ano).