Para escrever sobre a minha trajetória como jornalista, foi preciso me distanciar dela

Faz dois dias que tento escrever algo sobre a experiência que vivi na última terça-feira, dia 1 de setembro, e não consigo. Li depoimentos emocionantes, sofri por vários amigos, desejei boa sorte a muitos outros, comecei a reformular meus planos… Dei-me conta de que, para escrever sobre a minha trajetória como jornalista, foi preciso me distanciar dela. E, depois de dois anos de mestrado, ela veio como um furacão permeando minha dissertação com trechos como esses que reproduzo abaixo. É uma história de amor, eu garanto. Amar é sofrer também, certo? Meu retorno ao jornal Extra há dois meses era a quinta etapa dessa deliciosa, porém sofrida saga vivida na/com a Infoglobo e, com certeza, mais um capítulo do exercício autobiográfico que comecei a fazer na academia. Quem sabe depois de alguns dias, meses ou anos eu consiga traduzir em palavras os sentimentos que estão circulando dentro de mim ao ver/ler algumas das mais de 300 pessoas demitidas expondo os seus também?!

EU, ELE E A ESCRITA (AUTO)BIOGRÁFICA*

*Trechos da dissertação defendida em abril de 2015 no programa “Literatura, cultura e contemporaneidade” – Letras, Puc-Rio.

Jamari França era crítico e sua especialidade sempre foi o rock. Com a velocidade e a demanda desenfreada por quantidade (mais do que por qualidade) que a internet estava impondo aos jornalistas, causando uma reviravolta nos moldes de trabalho de toda uma geração, ele estava sendo obrigado a escrever sobre todo tipo de música e sem muito tempo para fazê-lo bem. Eu cheguei para socorrê-lo e, ao mesmo tempo, sugar dele o conhecimento que não tinha adquirido na faculdade até aquele quarto semestre. Aprendi muito sobre música, sobre como escrever sobre música e sobre como pesquisar para matérias jornalísticas de música nos quase dois anos que passei lá e, também, no O Globo Online, que a três meses da minha formatura absorveu a equipe que sobrou após a demissão em massa ocorrida em função do fim do GloboNews.com. João Ximenes Braga, nosso chefe, saiu – o que me fez chorar um dia inteiro – e Jamari, meu chefe indireto, ficou – o que me fez comemorar. Para além de tudo o que ele me ensinou, aprendi também vasculhando o setor de pesquisa do jornal, a biblioteca da universidade e as livrarias, sempre em busca de livros de outros autores sobre artistas ou movimentos musicais que podiam ter relação com aquele que eu buscava. Entendi também que entrevistar muitos e diversos personagens que tiveram algum tipo de vivência durante o período e na cena que me interessavam faria a maior diferença.

(…)

Eu tinha acabado de pegar meu diploma e havia sido dispensada do programa de estágio da Globo.com (empresa ligada às Organizações Globo que apostou no boom da internet e, devido a uma crise no mercado – que mostrou que os sites ainda não rendiam o lucro previsto – demitiu uma série de profissionais e não contratou nenhum dos novos que tinham em sua equipe). Reabri a matrícula do curso de Letras e fui estudar teatro enquanto buscava formas de sobreviver como freelancer no mercado de trabalho. Eu estava um pouco triste, mas, assim como o poeta modernista Mário de Andrade disse a Manuel Bandeira em uma das cartas que enviou ao amigo pernambucano, “perdi o trem, perdi a vergonha, perdi a energia… Perdi tudo. Menos minha faculdade de gozar.” (ANDRADE, 2001, p. 46).

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Fusca foi um dos apelidos que ganhei na época do estágio. E não tinha nada a ver com minha queda pelos Beatles. Fusca era abreviação de Fuscaldinho ou Fuscaldinha, como começaram a me chamar os meus colegas na medida em que foram tomando intimidade comigo. Fusquinha e até Fusquete também funcionaram por um tempo, mas Fusca pegou de vez.

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Algum tempo se passou entre 2003 e 2005, ano em que voltei à Infoglobo, que abarcava os jornais das Organizações Globo (O Globo e Extra) e o site do jornal O Globo. O prédio ficava no Centro do Rio, enquanto a Globo.com tinha se fixado de vez na Barra da Tijuca. Depois de dois anos na luta por um emprego, alternando estudos com colaborações para revistas e assessorias de imprensa, fui convidada por Luiz Henrique Romanholli a assumir o posto de produtora de conteúdo para o site do Big Brother Brasil 5. Dois meses depois, fui tirada de lá por um dos editores executivos do Extra. Quem me apresentou a ele foi minha amiga Hérica Marmo Stafford, editora de Cultura do mesmo veículo. Luiz André Alzer viu em mim uma profissional pronta para ocupar um espaço que estava vazio desde que o jornalista de música Adilson Pereira havia saído de lá, cinco anos antes: depois de quase dois atuando como jornalista autônoma em um mercado onde eu era pouco conhecida, fui chamada para ocupar a vaga de repórter e colunista de música no jornal popular. Um ano antes, eu tinha começado a colaborar para a Revista da MTV, cuja redação ficava em São Paulo, e tinha escrito meu primeiro release para uma gravadora. No Extra, comecei a escrever sobre artistas e bandas mais populares, gente do samba e do funk, e meu primeiro êxito foi uma capa da revista Canal Extra com Latino bem na época em que ele explodiu – ou melhor, reapareceu na mídia – com a música “Festa no apê”. O samba me cativou e alguma coisa do funk também. Nada disso era a minha praia, mas eu estava me divertindo muito e aprendendo demais. De novo me senti aberta a todo tipo de música.

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No carro, começamos a falar sobre nossos projetos e contei que, assim como aconteceu com Ana Maria Bahiana em 1972, eu tinha sido convidada a produzir matérias para a nova edição brasileira da Rolling Stone, lançada em outubro daquele ano.

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E eu passei o resto de 2007 sonhando e preparando um projeto, que não poderia mais ser escrito à mão. Com minha mudança, em julho, para O Globo Online, fiquei mais esperta com a tecnologia, aprendi a usar uma ferramenta nova no computador e juntei fotos com textos sobre Zé Ramalho, sobre mim e sobre a estratégia de lançamento da biografia.

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Na redação de O Globo, pedi à editora que me demitisse em julho de 2009 porque queria me dedicar ao livro, às bandas e aos trabalhos como freelancer que estavam me dando mais retorno financeiro e emocional. O site estava sofrendo modificações e eu andava decepcionada com as pautas que minha editora estava priorizando na redação e com o comportamento dos leitores, ainda em processo de adaptação aos novos meios de comunicação. Tentando ainda fugir do bullying da editora que assumiu a coordenação da editoria de cultura do site no segundo semestre de 2008, após a saída do nosso editor Rodrigo Pinto – e até hoje não sei porque vinha tentando de tudo para que eu pedisse demissão –, coloquei no ar um blog que há anos eu vinha planejando, o GarotaFM, e comecei a produzir matérias e a editar meu próprio veículo de comunicação.

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Em 2011, o mercado jornalístico estava sendo tomado ao mesmo tempo que derrubado pelas redes sociais. Quando mandei esse e-mail, eu tinha acabado de desistir da vida de freelancer por um tempo e de assumir o cargo de subeditora do portal Globo Cidadania, que abarcava os sites de assuntos relacionados a cidadania de programas da TV Globo. Na verdade, desde que saí do site da Infoglobo, eu vinha fazendo muitos trabalhos de conteúdo para redes sociais, tanto que, um ano depois, em julho de 2010, Valquíria Daher, editora da Megazine, revista semanal do jornal O Globo voltada para jovens, convidou-me a voltar para a empresa temporariamente porque sua editoria tinha acabado de colocar um site no ar, estava implementando uma conta no microblog Twitter e precisava de alguém experiente em comunicação nas redes para ajudar a aumentar o número de seguidores. Foi uma experiência e a realização de um sonho: lá atrás, quando comecei a trabalhar na empresa, meu maior objetivo era assinar matérias na Megazine. Comecei a sedução quando ainda estava no Extra e a editora na época, Adriana Barsotti, abriu as portas pra mim e comprou minha primeira sugestão, uma matéria em primeira pessoa – o que no Jornalismo dizemos que é estilo gonzo, mas eu hoje chamo de autobiográfica – que contava a minha experiência em Cuba. Fiz outras reportagens nos quase três anos seguintes e foi por isso que Valquíria, subeditora que assumiu o lugar de Adriana, confiou que eu faria um bom trabalho. Meu contrato durou seis meses.

*São citados ainda Mauro Ferreira , Antonio Carlos Miguel, Leonardo Lichote, Silvio Essinger, Leandro Souto Maior, Roni Filgueiras, Erika Azevedo, Pedro Palmeiro, Roberta Pennafort, Bernardo Araujo e muitos outros nomes que fizeram (e fazem ainda) parte da minha história.

*Torço para que a gente construa um futuro diferente para o Jornalismo que fica.

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