The 30th Anniversary Concert Celebration. É, estou falando do super show com 18 mil pessoas na plateia do Madison Square Garden, em Nova York, realizado no ano de 1992 e lançado na época em VHS. Embora humildemente eu discorde do título, o evento comemorava 30 anos do lançamento do primeiro disco de Bob Dylan. Digo que discordo porque Dylan já gravara antes disso. “Mato a cobra e mostro o pau”, como diz o ditado popular, pois tenho um registro de 1959 de When I Got Troubles, música regravada depois no CD No Direction Home: The Soundtrack.
Divergências à parte, o showzaço contou com a presença de grandes estrelas do rock, do country e do folk. Cada um a seu modo – e por que não dizer com arranjos próprios -, todos se apresentaram interpretando músicas compostas por Dylan. O critério de escolha foi elaborado, com certeza, a partir de sucessos que saborearam ao longo dos anos, gravando suas composições e, em outros casos, por indicação do próprio compositor de acordo com o perfil de cada artista convidado.
O concerto, que rendeu quatro horas de show e que é lançado agora no Brasil pela Sony Music com dois DVDs na versão deluxe, com áudio remasterizado e vídeo em alta definição, já mostra no primeiro disco a abertura em grande estilo, apresentando John Mellencamp interpretando Like a Rolling Stone, seguido por Stevie Wonder cantando, ao piano, Blowin’In The Wind. Em seguida, Lou Reed, que já não está mais entre nós (fisicamente, é claro), faz uma “amarga” interpretação para Foot Of Pride, como deixa claro o release que acompanha o DVD.
O show nos brinda ainda com a bela interpretação de Tracy Chapman, sozinha com seu violão em um verdadeiro formato acústico (único artista além de Bob a apresentar-se sem acompanhamento da banda de palco, constituída por músicos de primeira linha, alguns conhecidos mestres de estúdio). E, ainda, com Johnny e June Cash, que também já nos deixaram, Willie Nelson, Kris Kristofferson, Johnny Winter e Ron Wood (leia-se guitarrista dos Rolling Stones, que desde a época da banda The Faces não era visto cantando, já que o lugar de vocalista nos Stones é exclusivo de Mike Jagger).
Richie Havens, que também já partiu para outra, The Clancy Brothers – os três já falecidos – e Neil Young completam o elenco do primeiro DVD, que conta também com a tentativa frustrada de Sinead O’Connor de interpretar I Believe In You: em duas tentativas, a cantora foi impedida de cantar por grande parte dos espectadores devido a seu comportamento em um show anterior próprio, em que proferiu, em um discurso, palavras contra o Papa e ainda rasgou uma imagem do Alcaide da Igreja Católica. Sinead fomentou uma comoção mundial, com apoio da mídia, o que causou o cancelamento de seus shows, entre outros boicotes no meio artístico. Visivelmente constrangida, a cantora irlandesa interpreta a capela a canção War, de Bob Marley, em tom declamatório e agressivo e abandona o palco com ânsia de vômito, amparada por Kristofferson. Vale lembrar que a letra de War fala de pedofilia e Sinead, naquele momento, usou-a para justificar o seu gesto contra o Papa devido as constantes denúncias sobre essa questão envolvendo a Igreja Católica. A platéia só aquietou-se com a entrada de Neil Young, que fechou a primeira parte do show fazendo uma bela apresentação, cantando Just Like Tom Thumb’s Blues e All Along The Watchtower.
O segundo disco já abre também em grande estilo, com Chrissie Hynde (leia-se The Pretenders) cantando I Shall be Released, seguida por Eric Clapton e The O’ Jays. Apesar da bela interpretação semiacústica para When I Paint My Masterpiece, The Band contou somente com a presença de dois dos membros originais – Levon Helm e Rick Danko –, que recentemente nos deixaram órfãos do seu trabalho. Vale lembrar que The Band foi a banda que acompanhou Bob Dylan em todas suas turnês e apresentações, de forma geral, quando ele resolveu “eletrificar” o folk.
Três divas da música country, Mary Chapin Carpenter, Rosanne Cash e Shawn Colvin dão continuidade ao show e, juntas, interpretam lindamente You Ain’t Goin’ Nowhere, sucesso nos 60’s gravado por The Byrds. A banda tirou Dylan do circuito alternativo americano e apresentou-o ao mundo quando transformou sua Mr. Tambourine Man em sucesso mundial na “levada” que ganhou a marca de “folk-rock”, tendo a frente o líder Roger MacGuinn com sua inconfundível Rickenbacker de 12 cordas. George Harrinson vem depois, seguido por Tom Petty And The Heartbreakers e o já citado Roger McGuinn ovacionado pela impecável interpretação dada a Mr. Tambourine Man, acompanhado pela banda de Tom Petty.
Na seqüência, Bob Dylan adentra o palco sob aplausos incessantes e leva It’s Alright, Ma (I’m Only Bleeding) de forma magistral. Com Dylan no palco, a festa termina em uma jam session, contando ainda com Roger McGuinn, Tom Petty, Neil Young, Eric Clapton e George Harrison, todos com suas guitarras. Acompanhados por uma banda, interpretam My Back Pages, outra canção imortalizada pelo The Byrds em 1966: cada guitarrista canta um verso e Eric Clapton dá um show à parte com um solo de guitarra criado de improviso entre os versos. O mesmo grupo canta mais um sucesso do homenageado que, cá entre nós, não esboçou um único sorriso ou dirigiu uma única palavra àquele público caloroso, vibrante e sedento de fortes emoções. Coisas de um grande astro!
Todos os participantes entram no palco e cantam Knockin’on Heaven’s Door junto com a banda e com a participação da plateia. O grand finale é de Dylan, que interpreta só com seu violão e sua harmônica a música Girl From The North Country. Aplaudidíssimo, deixa o palco.
Obra imperdível! Como se dizia no tempo do vinil, “furei o disco de tanto ouvi-lo”. Eu quase deixei o VHS, adquirido à época do lançamento, transparente de tanto assisti-lo. Fico pensando como seria hoje uma comemoração em grande estilo dos mais de 50 anos de sua brilhante carreira. Enquanto não acontece, fico só com minhas fantasias curtindo o The 30th Anniversary Concert Celebration e agradecendo eternamente ao já falecido cantor, compositor e folclorista Woody Guthrie (para quem Dylan compôs Song To Woody) por ter sido a fonte inspiradora desse ídolo que até hoje continua encantando-nos com seus versos ora de protesto, ora de melancolia, ora de amor.