Julio Reny: bardo gaúcho ganhará biografia lasciva

O jornalista Cristiano Bastos, autor do livro Gauleses Irredutíveis (que narra as aventuras e desventuras do rock gaúcho por meio de seus protagonistas) e diretor do filme Paêbirú – Nas Paredes da Pedra Encantada (sobre o lendário e raro álbum lançado por Lula Côrtes e Zé Ramalho em 1975), agora lançou-se numa nova aventura. Desde 2013, Bastos está biografando um dos grandes mitos – e desbravadores – da música jovem porto-alegrense, o bardo de nome Julio Reny, dono de hinos como Amor & Morte e Não Chores Lola, entre muitos outras.

Julio RenyPara tanto, Bastos está realizando verdadeira sessões “psicoterápicas” com o cantor que, nos anos 80, ganhou enorme prestígio, entre a crítica, com a sua Júlio Reny & Expresso Oriente e, nos anos 90, foi hit nacional com a música Jovem Cowboy – crossover improvável e perfeito, pode-se dizer, entre o country e o hip-hop. Os Cowboys Espirituais, além de Reny, contava em sua formação com músicos de renome na cena gaúcha. Dentre eles, Frank Jorge (Graforréia Xilarmônica) e Márcio Petracco (TNT).

Mas Reny, além dessas, também teve muitas outras bandas: Guitar Band, Os Daltons, Os Topetes, Uma Canção Nas Trevas, entre outras. Não esquecendo que, além de grandioso compositor, Julio Reny foi brigadiano mirim, experiente ladrão de discos (roubou mais de 300 LP’s em lojas de Porto Alegre nos anos setenta), street fighter man (seu apelido era “Pé na Cova”, temido na cidade), goleiro do infanto-juvenil do Sport Clube Internacional e, também, ator de teatro e de cinema (protagonizou dois filmes geracionais do cinema jovem porto-alegrense: Deu Pra Ti Anos 70 e Verdes Anos, entre outros).

No livro, que é uma biografada autorizada – e sincera até doer – Julio Reny revela suas histórias sobre desventuras amorosas, um dos combustíveis para suas canções, e não poupa sua língua para falar de sexo, drogas e, até mesmo, sobre “magia negra”.
A obra já tem nome: vai ser chamar Histórias de Amor & Morte,metáfora perfeita, que resume os amores e tragédias pelas quais o ator do pioneiro e cultuado álbum Último Verão (lançado em fita cassete!) passou ao longo de sua vida.
Franca e autorizada, a biografia será nos moldes do livro Vida, de Keith Richards. Ou seja, tudo em primeira pessoa, mas como depoimentos de personagens que foram importantes na trajetória dele. Dentre os quais, Carlos Eduardo Miranda, Edu K, Carlo Pianta e sua filha, Consuelo Vallandro.

Em 2014, Julio faz 35 anos de carreira. E, para marcar a data, além da biografia, está sendo rodado um documentário sobre ele, dirigido por Tamires Kopp e Fabrício Costa. E, ainda, o Julio vai lançar o seu primeiro DVD ao vivo, que já foi gravado umas semanas atrás. Outro plano, que está em gestação, é o relançamento do álbum Último Verão, em vinil, na edição especial pelo selo fonográfico 180 Gramas (que lançou Cachorro Grande e Marcelo Gross recentemente). A previsão de lançamento do livro Histórias de Amor & Morte é novembro de 2014, quando se realiza a tradicional Feira do Livro de Porto Alegre.

Julio RenyO autor, Cristiano Bastos, cedeu um trecho do livro, em que Julio Reny fala sobre o primeiro show que fez na vida, em 1979, com a banda Uma Canção nas Trevas, em que, pela primeira vez, ele tocaria as canções do mítico álbum Último Verão. Um show, aliás, marcado por ironias.

“A última música que compus para o [álbum] Último Verão, que foi Super Homem está Esquecendo as Suas Melodias, uma epopeia de quinze minutos. Bah, eu me chapei muito enquanto compunha. Li a Bíblia, não lembro se o Velho ou o Novo Testamento e, lá pelas tantas, parei para me masturbar – precisava aliviar a tensão acumulada. O detalhe “fisiológico” é que não ejaculei, senão provavelmente teria caído no sono e não a teria finalizado. Com as canções prontas, reuni os músicos da banda na barbearia do meu pai e demos início aos ensaios. Exortei os rapazes da banda: ‘Vamos fazer foto, repertório e botar a cara na rua, vamos para a luta!’. E eles se pilharam. Tinha um pequeno quarto no andar de cima da barbearia, onde eu estava morando na época, que fizemos de lugar de ensaio. Era lá que o Fred Lamachia, que seria percussionista da banda, todos finais de tarde comparecia com um baseado. Uma Canção nas Trevas, a primeira banda que tive, surgiu numa dessas inspiradoras tardes.

“Com tudo em cima e bem ensaiados, arranjei uma data no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que fica bem na ponta do Parque da Redenção, no coração do Bom Fim. O mais estranho é que eu nunca mais soube de algum artista, além de nós, que tenha feito show naquele lugar. Estreamos em novembro de 1979. No repertório, algumas daquelas músicas que compusera naqueles oito dias. Foi um show foi muito louco. A iluminação, um luxo na época, improvisamos com latas de Leite Ninho. Quem deu a dica da iluminação foi o [músico e compositor] Nei Lisboa. Foi assim que nos conhecemos. Para obter o efeito de luzes coloridas, envolvíamos as latas em papel celofane. Conseguimos até descolar algum espaço de divulgação com foto nos jornais. Cumpri o ritual. Embora não fossemos musicalmente bons, senso de organização não nos faltava. Aquele momento precisava ser especial. Afinal, além de nossa estreia, era o ‘show anual’.

Julio RenyE, prova cabal de que o destino é mestre na arte de pregar peças, no meio da estreia, legitimando o nome da banda, aconteceria uma grande ironia: faltaria luz. Mal tocamos a primeira música e a luz se foi. Algum espírito zombeteiro rondava por ali… Toquei Super Homem está Esquecendo as Suas Melodias sozinho, com as luzes apagadas. Mas tive espírito de palco e driblei o imprevisto. Burlei o sacana do destino. Vi-me em meio à plateia tocando com o violão desplugado. Escuridão total. Coisas mágicas acontecem. Exatamente quando deveria entrar o eletrificado refrão de Super Homem, a luz voltou. Então me pluguei, a banda voltou com tudo e a música prosseguiu do ponto onde parara. O público presente nem se deu conta do que rolara, mas, para nós, foi lindo. Piramos. Ali, envolto em trevas e luz, estreava o Julio Reny músico e compositor.

“Uma semana antes, num domingo, fizemos o único ensaio para esse show. Coisas curiosas também aconteceriam. Para começar, transportamos nossos equipamentos no carro da funerária do pai do Fred Lamacchia. Também levamos parte dos equipamentos ‘no muque’. Roadie nem pensar. Na incipiência do underground, este nível de profissionalismo não existia. Nesse domingo, após ensaiarmos, Jaqueline e eu fomos inspecionar as câmaras mortuárias da Faculdade de Medicina. Invadimos as salas onde ficam cadáveres de mendigos e indigentes. O cheiro de formol empesteava o ar insuportavelmente. Chapados de maconha, vimos aquele monte de cadáveres empilhados – visão aterradora. Transamos ali mesmo, felizes. Não descarto a possibilidade de a Consuelo ter sido concebida nesse lúgubre ambiente”.

 

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