Uma noite quente de inverno à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Assim foi a terça-feira (29). A alta temperatura ficou por conta do “carimbop” e do “cumbia soul” da cantora Lia Sophia, na Miranda. O som do Pará ganhou o ritmo do vizinho Maranhão com a presença de Zeca Baleiro. Lia nasceu na Guiana Francesa, cresceu em Macapá – onde as músicas dançantes fizeram parte do seu repertório, já que é filha de pais pés de valsa -, mas foi quando chegou a Belém do Pará para fazer faculdade que a influência da música do Norte falou ainda mais alto. Em entrevista à Christina Fuscaldo, jornalista, pesquisadora musical e editora do GarotaFM, no Projeto PatuÁ, a também compositora contou suas referências musicais e dos pitacos carinhosos de Nelson Motta em sua música.
Desde o lançamento de seu primeiro disco, Livre (2005), até Lia Sophia (2014), este último com o tema da novela “Amor, Eterno Amor”, Ai, menina e uma releitura de Noite do Prazer, do compositor fluminense Claudio Zoli, a cantora explorou todas suas influências musicais misturando zouk, carimbó, MPB, música eletrônica e no meio do caminho fez uma releitura dos clássicos do brega paraense, transformado em disco, após o sucesso de um show.
Durante a entrevista, Lia Sophia destacou a importância dos muitos ritmos que chegam ao Norte do Brasil, dando aos artistas da região muitas possibilidades musicais e – por isso – tanta originalidade. “Nas ondas curtas, não chegavam as rádios do Sudeste para o Norte, mas chegavam do Caribe com mais facilidade”, disse a artista à Chris Fuscaldo.
Ela também contou como foi persistente para que Nelson Motta escutasse sua música e como ele foi fundamental incentivando e dando dicas para o seu som deslanchar no país. Após a entrevista, a música seguiu quente. Em homenagem a Chico César, Lia e Baleiro cantaram Pedra de Responsa. Zeca também cantou a sua clássica Babylon. A dupla fez uma versão com arranjo bem brasileiro – com direito a cavaquinho – de Price Tag, de Jessie J. A mistura Maranhão – Pará teve muito zouk e merengue, levantando a plateia – até então calma – da Miranda. Para finalizar, o sucesso Ai, menina fez todo mundo dançar.
Chris Fuscaldo: Queira que você falasse de cara de Noite do Prazer, uma música que todo mundo conhece e foi sucesso da Banda Brylho, de Claudio Zoli.
Lia Sophia: Noite do Prazer, eu fiz um releitura. Fizemos um novo arranjo, eu e a banda, para apresentar no programa da Globo, “Som Brasil”, e aí não era a intenção gravar essa música, mas um querido amigo meu chamado Nelson Motta ligou alguns dias depois e disse que não conseguia parar de ouvir a música e me falou para gravar. Ele disse que eu consegui dar uma cara nova, um novo caminho, o que é bem difícil, quando a música fica muito marcada com determinado arranjo, é difícil você colcocar sua cara ali, e Nelson Motta disse que consegui fazer isso.
Chris Fuscaldo: Eu sei que Nelson Motta é um grande incentivador da sua música, ele até cunhou um termo chamado “carimbop”. Fala um pouco da sua relação com ele.
Lia Sophia: Ele cunhou alguns termos. Sempre me perguntei que tipo de música que eu faço. Não é o carimbó original, não é o zouk original, é tudo meio misturado. Ele disse para eu não sofrer com isso e que eu fazia o carimbop, cumbia soul. Eu sempre amei os nomes que ele deu.
Chris Fuscaldo: Carimbó, zouk, merengue, marabaixo… O Pará é riquíssimo em influências, estilos. Em que momento da sua vida você esbarrou com esses ritmos?
Lia Sophia: Desde que nasci. Na Guiana Francesa, o zouk, que é uma música criola, caribenha, é produzida ali. E no extremo Norte do Brasil, no estado do Amapá, em Macapá, se escuta muito isso também. Então, quando meus pais vieram de Cayena para o Macapá, eu convivia muito com isso. Meus pais sempre gostaram muito de dançar, então ouvi muito zouk, merengue.
Chris Fuscaldo: E a MPB e a música eletrônica, que também estão na sua música?
Lia Sophia: Isso foi mais tarde, aos 17 anos, quando fui fazer faculdade em Belém. Porque na minha casa não se ouvia. Até os 17 anos, eu não sabia o que era Marisa Monte, o que era João Gilberto. Eles não entravam na minha casa porque minha mãe e meus pai eram festivos e gostavam de dançar. Quando alguém chegava com Caetano, Chico Buarque para colocar para tocar nas festas, mamãe dizia para tirar que ela queria dançar. Quando eu cheguei em Belém, ia tocar violão e meus amigos me davam discos e eu fiquei louca, foi um momento marcante da minha vida musical.
Chris Fuscaldo: O Pará tem muitos nomes como Fafá de Belém, Leila Pinheiro , Banda Calypso, Mestre Vieira, Pinduca. Mestre Vieira, o mestre da guitarrada.
Lia Sophia: Eu chamo o Mestre Vieira de Eric Clapton da Amazônia. Ele é incrível, genial, toca com a guitarra nas costas. Ele tem muita influência da música caribenha. Nas ondas curtas, não chegavam as rádios do Sudeste para o Norte, mas chegavam do Caribe com mais facilidade. Então se ouvir zouk, merengue, e o Mestre Vieira foi influenciado por isso criando a guitarrada.
Chris Fuscaldo: Pensando nele e também na Gaby Amarantos, cada um tem um estilo próprio, assim como você. Você viu essa turma, isso acontecer na música paraense?
Lia Sophia: O Pará é tão rico musicalmente, a Região Norte recebe tantas influências que é possível que um artista siga pelo tecnobrega, o outro siga pelo carimbó e cada um tenha a sua cara, mesmo que tenha as mesmas influências, então você percebe a diferença entre o meu trabalho e o da Gaby, da Fafá, mas todo mundo ouviu as mesmas coisas.
Chris Fuscaldo: Você me falou que todo disco seu tem um pouco a cara do seu momento, me fala dos discos.
Lia Sophia: Livre, meu primeiro discos, tem composições minhas, algumas parceiras, mas é muito mais suave, com muitos violões, eu tocava em barzinhos há 10 anos, eu me acompanhava muito no violão, então ele é o principal instrumento, marca o disco, tem muitas baladas. No segundo, Castelo de Luz ,eu já pensei em outro caminho, já estava ouvindo muito jazz, ele tem o tempero do Pará, mas ficou com sopros, meio Big Band. O terceiro, Amor Amor, eu fiz regravações de músicas bregas. Não era para ser disco, era uma homenagem a meus pais. Tem boleros, brega, e muita música romântica. Depois do show, o público pediu o disco.
Chris Fuscaldo: O brega todo mundo torce o nariz, mas na hora que houve gosta, né?
Lia Sophia: Exatamente. Quem nunca ofereceu a lua quando está apaixonado? Isso é conversa. É isso que você escuta numa música brega, né? Aquelas declarações de amor rasgadas. todo mundo é um pouco brega, não tem como fugir.
Chris Fuscaldo: Nesse disco novo você trouxe coisas de D. Onete, tem músicas suas, Chimbinha, da Banda Calypso, tocando guitarra, o pessoal da banda La Pupuña, com homenagem aos mestres da guitarrada. Como foi reunir tudo neste disco?
Lia Sophia: Eu queria deixar marcado esse sotaque, queria deixar essa marca das influências do carimbó, do zouk, do merengue. Não dava para pegar uma pessoa de fora, que não tivesse essa vivência, tinha que achar alguém aqui. E aí o Félix (Robatto, produtor) já vinha fazendo trabalhos incríveis desde La Pupunha, com a Gaby (Amarantos) também, e a gente vinha trocando um monte de ideias. Ele contribuiu super para ficar com a cara que eu queria.
Chris Fuscaldo: Na época de Ai, Menina, nós conversamos e você estava gravando este disco novo de forma independente e agora este disco está saindo pela Som Livre. Queria que você dissesse o que aconteceu de lá para cá.
Lia Sophia: O primeiro lançamento em setembro do ano passado, eu fiz pela Natura, que tem o compromisso com a Lei de Incentivo, tem prazos. Eu fiz o lançamento em Belém e depois começou um namoro com o pessoal da Som Livre e fechamos. Para mim foi maravilhoso porque a gravadora te dá um suporte incrível. Espalha o seu disco pelo Brasil, pelas plataformas digitais. Tem toda essa estrutura de distribuição e de divulgação na mídia, abre portas de programas de TV para você divulgar. É uma super parceria, um momento bem feliz que eu estou vivendo.
Chris Fuscaldo: Ai, menina foi descoberta nas redes sociais. Como foi isso?
Lia Sophia: Eu nem botava tanta fé em redes sociais, eu não entendia muito bem ainda isso, estava descobrindo as redes sociais e produzi um EP com três músicas (Ai, Menina, Amor de Promoção e Salto Mortal). Gravei com uma banda reduzida e botei na internet. Quando a novela “Amor, Eterno Amor” foi ser gravada lá no Marajó, o produtor começou a buscar músicas de artistas da região. Eu deu de cara com Ai, Menina. Deu um boom na carreira, a música foi parar em todo o Brasil. Lá no Pará eu já tenho um trabalho de anos, tenho um público consumidor. Mas para cá, não. Então abriu portas.
Chris Fuscaldo: Muita gente deve estar pensando que é sorte, mas você já tinha uma carreira…
Lia Sophia: Eu já vivia de música, para a minha sorte e alegria da mamãe que nunca acreditou nisso.
Chris Fuscaldo: Você é compositora da maioria das canções que você grava, o que te inspira?
Lia Sophia: Tudo! Uma conversa com amigos, eu assistir TV, ler um livro, qualquer coisa pode dar um clique. E eu me obrigo a tirar duas horas todo dia. É mais o trabalho do que a inspiração. Eu sento, escrevo, pego meu violão, fico ali pensando, viajando e faço a música. É um exercício.
Chris Fuscaldo: A gente aqui no Rio acaba conhecendo muito pouco da música de fora deste eixo. Queria que você falasse um pouco da Dona Onete.
Lia Sophia: Dona Onete tem 73 anos e é uma compositora de mão cheia. Ela fala de amor, de sensualidade. Eu fiz um show com ela em Recife. Ela era professora, do interior, sempre escreveu, sempre cantarolou as próprias músicas. Mas há uns cinco ou seis anos ela foi descoberta por uma banda de rock que tocava na mesma rua. A banda de rock convidou Dona Onete e eles passaram a misturar bolero, carimbó e rock’n’roll. Dona Onete tomou uma proporção enorme, participou de vários festivais de música e um monte de gente gravou músicas dela. Ela tem livros e livros de composições. Eu gravei a música Quando Eu Te Conheci neste disco novo.
Chris Fuscaldo: E os outros parceiros?
Lia Sophia: Eu tenho uma parceira com o guitarrista e compositor paraense Felipe Cordeiro, com uma cumbia deliciosa. Eu regravei também uma música do Mestre Vieira e de Jade Guilhon, tem uma regravação de Alípio Martins e Carlos Santos, além de parcerias com músicos da minha banda.
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