Zé Ramalho lança disco autoral que reflete a maturidade

A maturidade traz nostalgia e a consciência do caminho percorrido. Como disse Bob Dylan em uma entrevista, “já passei da metade da minha vida”. E eu me sinto assim, depois da metade do caminho, vendo tudo o que aconteceu. Sinais dos Tempos é o disco da minha maturidade (Zé Ramalho)

Zé Ramalho não fazia muita questão de ser compreendido, quando mais jovem, pleno de energia para experimentações. Com Sinais dos Tempos, surge uma diferença fundamental na vida desse cantor-compositor-tocador-trovador. O novo álbum está repleto de letras, melodias e harmonias feitas na medida para torná-lo um sujeito mais admirado mesmo por quem ainda não havia captado, até agora, as deixas para compreendê-lo. É que muito da vida e da obra de Zé estão nessas novas músicas.

Não! Definitivamente, o músico paraibano radicado no Rio de Janeiro desde a década de 70 não se aproveitou do “eu te amo” nem rimou “amor” com “dor” em seu primeiro disco de inéditas desde 2007, quando lançou Parceria dos Viajantes. Em Sinais dos Tempos, basta um mínimo de sensibilidade para perceber sentimentos bastante profundos em versos como: “O tempo vai passando e com ele eu vou”, que abre a música Indo com o Tempo; e “Não deixo para trás nada do que eu sou”, a última frase dessa primeira faixa do álbum. Ouvindo com a “maturidade” que ele cita na declaração acima, é possível esbarrar com um Zé Ramalho que deixa suas entranhas à mostra também nas outras onze canções do repertório desse CD cem por cento autoral.

“Depois que passei dos 60, parece que os anos estão correndo. O tempo vai mais ligeiro e isso me lembra muito a canção dos Rolling Stones Time is on My Side. Me vejo num mundo louco, rápido e cruel e tendo que me inspirar nele para fazer minha obra de arte. Os fãs vinham cobrando um disco autoral, mas passei os últimos cinco anos refletindo sobre mudanças que ocorreram e fazendo músicas aos poucos. Sinais é uma que fala sobre isso. Teve um momento em que chorei durante a gravação da voz, lembrando de várias coisas. Espero que consiga passar essa emoção para as pessoas”, diz Zé.

Os últimos cinco anos foram revolucionários para Zé. Desde 2005 lutando na justiça para poder gravar seus próprios sucessos, um imbróglio que envolvia o artista, sua antiga gravadora e a editora que detinha os direitos autorais de suas músicas, Zé Ramalho saiu vencedor, porém chateado. O sentimento veio à tona na composição de Indo com o Tempo: “E não perdoarei a quem me trouxe dor”, diz a letra. E foi expurgado quando Zé se deu conta de que tinha em casa a parceira para uma nova empreitada fonográfica: com a esposa, Roberta Ramalho, criou o selo Avôhai Music, voltado para o lançamento de seus próprios trabalhos e que estreia com Sinais dos Tempos. Ainda durante esse período de reflexão, Zé celebrou o nascimento de netos. E homenageou Bob Dylan, Beatles, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro em tributos discográficos. Esses nomes e outros voltaram a influenciar Zé em solos, palavras e atitudes nesse novo disco.

“Estão no álbum lembranças e vivências, algumas de forma mais aberta e outras mais enigmáticas”, avisa.

Com o Pink Floyd, Zé Ramalho aprendeu a falar de amor sem usar os velhos jargões. “É como se toda vez que você se lembra de quando perdeu sua virgindade / Doces quimeras de rapaz, de moça donzela ou solteira”, canta ele em Lembranças do Primeiro, que traz ainda uma citação a outro ídolo, Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho há um pedra. Deixe-a, não a remova”. A frase é resultado da lembrança de um episódio que viveu na há mais de 35 anos, quando, ao retirar uma pedra do meio de uma estrada para evitar um acidente automobilístico, acabou causando um transtorno. A rocha rolou e bateu em uma tubulação, que estourou e ficou jorrando água durante horas.

Zé abusa da psicodelia, disseminada na década de 70 pela banda progressiva, também em Olhar Alquimista. Enfeitada pelo lapsteel de Phil Braga, parceiro de seu filho João Ramalho na banda JPG, a música proporciona sensações do além bem ao estilo David Gilmour na música Echoes. Ao mesmo tempo em que vagueia por histórias de sua vida (“Não foi como nós planejamos, mas fugiu do nosso controle”), a letra também remete à morte: “Aonde me viram não mais verão os alquimistas e os anciões”.

“A morte é uma coisa sobre a qual já comecei a pensar. Ela está também na primeira faixa, quando canto: ‘Será que chegarei à terra prometida ou atravessarei o túnel de luz’. Não que eu me sinta perto de morrer, mas tenho uma curiosa especulação e penso muito nisso hoje em dia”, comenta.

A Noite Branca foi composta para fazer um contraponto com a pesada e lisérgica A Noite Preta, última música do primeiro disco de Zé, lançado em 1978 com Avôhai e outros sucessos. A nova canção fala de um delírio de amor em uma noite linda. Na introdução, um ryff de violão inspirado no hit Venus, da banda Shoking Blues, que o músico tocava em seus tempos de banda de baile. Depois do rock, a música entra no esquema do frevo agalopado, para Zé Ramalho não perder o costume, com metais feitos pelo arranjador Toti Cavalcanti. Zé toca violão em todas as bases.

Referências e lembranças do passado estão em diversas canções de Sinais dos Tempos. A inspiração em A Terceira Lâmina, sucesso de Zé de 1981, aparece em Lembranças do Primeiro e em recortes harmônicos de Olhar Alquimista. O sentimento de saudade está evidente em Rio / Paraíba, na qual homenageia os dois estados, o natal e o que o acolheu, porém atendo-se a falar do Rio Paraíba. Esta música também remete à aceleração do tempo: “O calendário resumiu-se a quase um mês”, canta Zé.

Sinais dos Tempos traz ainda a psicodélica O que Ainda Vai Nascer, que conta com elementos de Beira-Mar, outro sucesso de Zé, lançado em 1979; o xote Um Pouco do Que Queira; a mística Portal dos Destinos; o “bolero” político Justiça Cega, na qual Zé Ramalho vomita reflexões sobre a justiça; e O Começo da Visão, uma canção cheia de latinidade sobre voyeurismo, que tem guitarra de Rick Ferreira e vocalizes de Roberta de Recife. Pai da cantora e parceiro de Zé há 15 discos, Robertinho de Recife gravou guitarra em Sinais e trouxe do Mississipi, onde participou de shows, Jesse Robinson para gravar em Indo com o Tempo, canção que o guitarrista estadunidense reconheceu como um verdadeiro blues, apesar dos elementos de MPB e de música nordestina.

Sinais dos Tempos é um álbum para pessoas que estavam aguardando novas produções musicais minhas, sem maiores pretensões. É a continuidade do meu trabalho, minha leitura do mundo atual e minha maturidade como homem e compositor. É a vontade de continuar levando essa vida de shows, estúdio, gravações e de oferecer o que crio”, anuncia Zé.

Formada por Chico Guedes (contrabaixo), Edu Constant (bateria), Dodô de Moraes (teclados), Toti Cavalcanti (sopros) e Zé Gomes (percussão), a Banda Z está em todas as músicas do álbum, totalmente produzido e dirigido por Zé Ramalho e Robertinho do Recife. Com o verso lisérgico “tudo que sonhei atravessa o cristal”, Anúncio Final tem como objetivo, sem muitas delongas, encerrar o disco e colocar um ponto nessas reflexões:

“Há uma crueldade em relação à maquina do mundo hoje em dia, com toda essa correria. Recorrendo novamente a Dylan, na letra de Things Have Changed, tá tudo mudando. Mas não deixo para trás nada do que eu sou.”

(Release de Christina Fuscaldo enviado à imprensa em julho de 2012 pela produção do selo Avôhai junto a amostras do disco)

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