‘Acredito que chegaremos juntos a Dorival Caymmi’, diz Pedro Moraes, que lança ‘ClaroEscuro’ amanhã no Rival

Posted by Chris Fuscaldo Category: Entrevistas

Pedro Moraes não é um novo nome no cenário da música, mas “ClaroEscuro” é a estreia solo do artista em disco. Ex-integrante do grupo É Com Esse Que Eu Vou e experiente em turnês internacionais, o músico resgata influências do samba e da MPB, além de grandes nomes das artes internacionais para seu trabalho. Nos Estados Unidos, Pedro Moraes foi eleito um dos dez melhores artistas de World Music de 2010 pelo jornal Boston Globe. No Brasil, depois de participar do Som Brasil em homenagem a Cartola (2008) e de se dedicar à gravação de seu álbum, Pedro levará esse repertório de músicas próprias ao Teatro Rival no próximo dia 3 de julho (terça-feira) e promete se esforçar para chegar perto do que é Dorival Caymmi para a cultura brasileira.

Conheça Pedro Moraes através de sua entrevista ao GarotaFM:

De onde vem seu gosto pela música? Como e quando ela entrou na sua vida?

O cenário é uma batucada no Mercado Modelo, Salvador, década de setenta. Uma estudante de medicina baiana e um engenheiro carioca, ambos com residência no Rio, ela visitando a família, ele participando de uma conferência. Antevéspera de regresso. Entardecia. O mito e a história se confundem, mas vestígios falam de uma voz ensolarada de mulher comandando o samba de roda, de um fotógrafo amador (será gringo?) embevecido, tornado em participante por um surpreendente e prestíssimo agogô… e de um amor, já de volta à cidade dos afazeres, maturando pelas segundas-feiras de samba no Teatro Opinião…  No tempo do tolo calendário, a vida começa num hospital, entre aventais azuis e gigantes mascarados. Mas no tempo em que as coisas realmente acontecem, a vida não é assim tão dependente do “limpossujo” da biologia. De modo que a música e minha vida já entrelaçavam as pernas quando se encontraram pela primeira vez meu pai e minha mãe e, mesmo antes, quando a adolescente descobria o veludo de sua voz e a explosão de vida na roda de samba, e o filho de uma casa sem música ganhava sua primeira vitrola, e descobria Beethoven!  Meus pais: ele, competente violonista amador, melômano contumaz, colecionador de discos, me ensinou da música o ouvir, o doce esforço do estudo, os primeiros acordes… ela, minha primeira e maior referência vocal, ensinou que a música sai do corpo, e a ele retorna.

Quais são suas principais influências?

Os cancionistas brasileiros certamente foram a bússola primeira. Noel, Ary, Dorival, Ismael, Cartola, Nelson Cavaquinho… e então Tom, Chico, Edu, Dori… e Gil, Jorge, Caetano, João Bosco, Djavan… e Milton, o mistério… e Guinga, vertigem… Mas também entraram na teia do espírito as melodias de Villa Lobos, os primeiros Beethovens da minha infância, e Bach no início da idade adulta — e mais do que por uma aplicação técnica, por um sentido de magia paralizante que eu sigo procurando, Debussy, Stravinsky, Bartok… e Cole Porter, Gershwins, Rodgers/Hart, do particular ao infinito… E os Beatles, mestres cancionistas, e o encontro com a fatalidade que há no Blues de Howlin Wolf, Robert Johnson, Son House, me soam curiosamente mais atuais do que os Stones e mesmo Jimi (que eu também amo!)… Tanto quanto, ou mais do que, a música que ouço, os livros que leio, os filmes que assisto, o teatro, as pinturas… tudo isso desenha os espaços (ou abre as lacunas) no meu espírito que a música busca preencher. Quando eu tinha uns doze anos de idade, quedei atônito diante da Guernica de Picasso. Era como se pudesse perceber, de fora de mim mesmo, o espírito se alargando, e tocando a dor de homens e mulheres que não existiam mais. A existência, naquele lugar por trás e além da matriz quotidiana — o Real e suas irrupções, o lugar, enfim, onde a vida e a morte se tocam e fecundam. Goethe que, ainda que eu evite, busco incessantemente, como contra um rochedo. Guimarães, o Sol que, ao incidir sobre o mistério, revela sua ofuscante obscuridade. Santo Agostinho, e fazer-se todas as perguntas. O livro dos Salmos, o Novo Testamento, a Bhagavad Gita. A forma e o conteúdo, minha lingua: Camões. Escrever é uma busca desesperada por cruzar o fosso da preguiça existencial. Há sempre alguma maré contra a qual se deve remar — e esta é a que merece o esforço. Eu sou um salmão. Importante também falar da influência imensa, da gratidão infinita que devo a meus contemporâneos: Thiago Amud, antes de mais nada, e Armando Lôbo, Edu Kneip, Daniel Marques, Paloma Espínola, Sergio Krakowski, Fernando Vilela, Chico Vervloet e tantos outros que dão corpo ao meu Norte.

Fale um pouco da experiência com o grupo É Com Esse que Eu Vou e da diferença entre estar em um coletivo e sozinho?

Se me perguntam onde foi que eu estudei música, minha faculdade chamou-se É com Esse que Eu Vou. Devo um aprendizado imenso ao Julio Braga, ao Rodrigo La Rosa e, particularmente, como violonista, ao Thiago Machado e a seu pai, o imenso bandolinista, arranjador e compositor Afonso Machado, que fez a direção musical do disco que lançamos juntos, o “Samba do Baú”.  A experiência de banda é, como todo relacionamento, um deleite e uma confusão. Desde 2007 tornou-se claro que meu rumo autoral demanda uma autonomia, que só a chamada “carreira solo” permitiria. Não posso exigir de ninguém que tolere as pausas insuportáveis que a composição me impinge… Mas sou uma pessoa gregária, essencialmente. Hoje compartilho este momento de grandes vitórias com meus parceiros no Coletivo Chama: Amud, Thiago Thiago de Melo, Renato Frazão, André Felix, Ivo Senra e Cezar Altai.

Conte como foi a produção do seu disco (como escolheu as músicas, os profissionais envolvidos etc).

O “Claroescuro” se iniciou com a generosidade de Thiago Amud e Armando Lôbo. Juntos criamos o título, escolhemos as canções, compreendemos a questão do alto contraste, da alteração subta e dramática entre o festivo/ritmico e o tortuoso/introspectivo. Eles em primeiro lugar, depois comigo o Daniel Marques, o Ricardo Sá Reston, o Marcelo Caldi, criamos os arranjos. Depois, nova enxurrada de generosidade de músicos que estão citados em detalhes no encarte do disco, não vou citar aqui pra não correr o risco de deixar alguém de fora… mas foram tantos, e tão amorosos, que a cada dia, a cada show, lembro deles com afeto e gratidão! Enfim entrou a arte de Cezar Altai, criando uma expansão visual do conceito do “Claroescuro”, que ficou registrada no videoclipe de Incomunicável. Esse processo levou tempo, e eu fui lançando versões do disco, ano após ano. Primeiro um EP, com 8 faixas e uma sessão fotográfica belíssima da Viviane Rangel. Depois, dez faixas. Por fim, com a generosa participação da Alcione e do André Rio, a versao definitiva foi lancada em fins de 2010 nos EUA pela Caravan Music e no inicio de 2012 pela Rob Digital no Brasil.

Fale do show. O que o público pode esperar? Como está o repertório, o cenário, os arranjos etc?

Estou tocando com um trio espetacular de músicos, que criam uma diversidade de climas enorme. É como se eu estivesse tocando com uma big band! Ivo Senra, nos teclados, Pedro Aune, no baixo elétrico, acústico e tuba, e Lucio Vieira na bateria. Fazemos canções do “Claroescuro”, como “Marcela”, “Incomunicável” e “Zingareio”, e as releituras de “With a Little Help from my Friends” e “Dora”, mas também entram no repertório algumas canções do próximo disco, como “Alarido”, parceria com Amud, e pelo menos uma canção do “Samba do Baú”, a divertidíssima “Se Eu Bebo”, inédita do Nelson Cavaquinho. Quando fazemos teatros maiores, como foi no SESC Copacabana e será dia 3 de Julho no Rival, temos o luxo de contar com cenário do brilhante artista plástico Cezar Altai.

Conte um pouco sobre sua experiência fora do país.

Foi fora do país que descobri minha vocação, numa temporada, um ano sabático, que passei na Índia, aos 19 anos de idade. La também fui descoberto como compositor pela cantora mexicana Magos Herrera, e tive as primeiras canções gravadas. A primeira turnê, México e Estados Unidos, ainda naquela época, foi fruto destas gravações.  Sete anos depois, em 2007, foi também no exterior que primeiro mostrei o “Claroescuro”, ainda em estágio de “demo”. Espanha, Inglaterra, Alemanha. De lá pra cá, houve outras turnês à Europa, várias aos Estados Unidos, onde a imprensa tem saudado o “Claroescuro” com entusiasmo, e também uma turnê bem curiosa até a Índia e o Sri Lanka.  Eu certamente tenho no Brasil meu foco fundamental. Com todas as dificuldades, acredito que chegaremos juntos a Dorival Caymmi.  Mas o silêncio, quer dizer, a música, o compartilhar, me atrai como um imã. Então se me chamam para tocar no exterior, eu vou, toco, conheço outros sons, conheço a mim mesmo por outros ouvidos, e volto maior, mais feliz, mais preparado para subir a nossa pirambeira.

Onde você espera ser levado pela música?

Eu não exijo da música mais do que ela me dá. Um amor embriagador, uma lucidez amarga de saúde, como manhãs de partida, e compartilhar com o mundo, sentindo-me, assim, vivo. Espero apenas ser capaz de me colocar, sempre, a serviço da transformação misteriosa que (me confidenciou certa vez, lábios rubros de vinho) ela planeja para nós.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Required fields are marked *.

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>