Em um bate-papo sobre música e literatura no 3º Salão da Leitura de Niterói, na tarde desta segunda-feira (25/06), Adriana Calcanhotto confessou que, quando pequena, queria deixar de ser criança. “Eu achava que a leitura era a chave para o mundo adulto. Eu estava contando as horas para deixar de ser criança”, disse aos doutores em literatura Paulo da Costa e Silva e Júlio Diniz, este último curador do evento que está movimentando o Teatro Popular de Niterói desde sexta-feira (22/06). E foi nos livros que a cantora se apoiou para conquistar seu grande sonho. De acordo com Adriana, seu amadurecimento foi estimulado por Clarice Lispector e livros como “A Mulher que Matou os Peixes”: “Clarice me deu um susto. Nunca mais fui a mesma.”
Com duração de pouco mais de uma hora, a conversa passeou pela vida e pela obra da cantora gaúcha. Ainda da infância, Adriana lembrou de como se encantou com expoentes da música brasileira: “Meu pai era baterista e minha mãe, bailarina. Antes de mim, já tinha a música em casa. Meu pai ensaiava com dois conjuntos na garagem de casa e minha mãe ouvia muita música instrumental. As babás e empregadas ouviam rádio de MPB sem parar. Meu pai gostava de jazz e bossa, mas era um curioso que comprava Pink Floyd para entender. Um dia, meu pai percebeu que eu ouvia rádio AM e ficou puto. Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Roberto Carlos… Ele achou que isso teria influência na minha formação. E de fato teve. Houve um momento em que eu tinha que ir pro rock progressivo, que eu achava duro e sem suingue, ou para a MPB. Minha tia me deu um disco de Maria Bethânia e eu fiquei louca. Aí veio o Caetano, o Jards Macalé, Fagner musicando Cecília Meirelles… Um jeito grego de me aproximar da poesia era pela música.”
Da adolescência, Adriana resgatou a história de como começou a compor: “Ganhei um violão quando tinha seis anos. Não sabia o que fazer. Comecei as aulas, mas desmotivei porque o professor gostava muito de Tom Jobim e era demais pra mim. Fiquei num vai e vem com o instrumento. A primeira safra de canções que fiz foi depois de uma volta de viagem. Eu tinha uns 14 anos e meu pais estavam brigando muito, começando um processo de separação. Como não lembrava dos acordes das músicas que aprendi nas aulas, acabei compondo unas 30 músicas que se perderam, que nunca gravei. Foi um exercício de composição. Foi uma coisa de auto-expressão minha.”
Mas essa seriedade não perdurou muito tempo. O sarcasmo venceu a timidez em alguns momentos, como quando comentou sua posição como leitora: “Desperdicei muita leitura lendo a revista Veja. Depois, fui ficando seletiva.” E a simpatia foi ressaltada quando o heterônimo Adriana Partimpim entrou em ação, comentando o projeto que dedicou às crianças e também interpretando um sucesso de um dos álbuns infantis, “Fico Assim Sem Você”. A música, aliás, deu vida ao papo de Calcanhotto com Júlio e Paulo. “Esquadros” e “Vambora” também foram algumas das canções que Adriana mostrou ao público com sua guitarra, que a princípio parecia não se encaixar no formato “voz e violão”.
“Essa coisa de não poder tocar violão pareceu um castigo, mas agora tô tocando guitarra, porque faço menos esforço e saio da zona de conforto”, explicou a cantora, que teve um problema no pulso.
O samba, que entrou em sua veia há alguns anos e lhe rendeu o CD “O Micróbio do Samba”, Adriana encara como uma doença: “O disco saiu porque eu tinha uma safra de sambas. Começou com Mart’nália, que me pediu uma música e eu fiz um samba (“Vai Saber”). Mostrei para a Marisa Monte e ela gravou. A partir desse primeiro, 99% do que eu compunha era samba. Thaís Gulin pediu ima música e eu disse que só estava fazendo samba. Ela pediu para eu tentar fazer algo diferente. Tentei e saiu mais um samba. Foi um micróbio mesmo. Nasci com uma coisa incubada e saiu agora.”
Para finalizar, Adriana resumiu a experiência que narrou no livro “Saga Lusa”. “Saí para fazer uma turnê em Portugal, muito cansada, querendo pegar uma gripe, mas cheia de compromissos. Faltou luz num show e forcei a garganta no escuro, fiquei com febre e chamei o médico do hotel, que me prescreveu remédios. Depois, outro médico me passou mais remédios. Só que eu estava fazendo um tratamento com cortisona e acabei entrando num surto psicótico, ouvindo vozes em português de Portugal, vendo as paredes derreterem. Fiquei seis dias e seis noites sem dormir. Meu médico do Brasil dizia para eu não dormir. ‘Inventa!’, ele falou. Como não podia tocar, porque suava sem parar, comecei a escrever”, contou.
No final, Júlio e Paulo abriram espaço para perguntas do público e, além de receber elogios, Adriana respondeu à perguntas sobre o que seus pais acharam da gravação de “Devolva-me” e do sucesso da releitura da filha de um hit da Jovem Guarda. “Eles não entenderam nada”, declarou, arrancando risos da plateia.
O evento segue levando grandes nomes – como Martinho da Vila, Maria Bethânia e Moraes Moreira – ao Teatro Popular até sábado (30/06). Veja a programação no site oficial do 3º Salão da Leitura de Niterói.
Fotos de Carlos Levitanos.