O mundo parou quando, de repente, a voz de um locutor veio por cima de “Ainda Bem”, novo hit de Marisa Monte que, além de estar no repertório da novela das sete, “Cheias de Charme”, toca a todo momento nas rádios de MPB do Brasil. E foi na Lumén FM, de Curitiba, que, logo após o início da canção, o tal radialista anunciou a estreia da turnê da cantora, na semana seguinte, no tradicionalíssimo Teatro Guaíra, na capital do Paraná. Ora, mas se eu estaria lá de novo no fim de semana seguinte, quando Marisa subiria ao palco por três vezes para apresentar o repertório do CD “O que Você Quer Saber de Verdade”, por que não aceitar o convite daquele homem de voz grave? “Pare o carro! Vou na bilheteria comprar uma dupla de ingressos! E não importa o preço”, declarei. No sábado seguinte, lá estávamos nós, não muito perto da diva – porque àquela altura os ingressos já estavam quase se esgotando – porém cheios de expectativa.
Era a primeira vez que Marco ia a um show da Marisa. Já eu… Só o da turnê “Universo Particular” (2006), vi quatro vezes. “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor Tour” (2000) também rendeu. Só não tive o privilégio de assistir a duas tours por não ter idade suficiente para sair de Niterói, onde morei até 20 e poucos anos, rumo a uma casa de shows carioca: “MM Tour” (1989) e “Mais Tour” (1991). Deu para perceber o quanto sou fã, né? Pois é… Mas cometi um erro terrível ao não contar a ele essa minha faceta tiete que, de vez em quando, ataca. E, assim que Marisa começou a tocar, entrei em estado de devoção, esquecendo-me de quase tudo em volta. A atenção de Marco fiquei tentando chamar a cada canção que eu conhecia a letra (leia-se todas as canções do set list). E, cada vez que ele se animava em compartilhar, cantando junto ou segurando na minha mão, eu acionava a câmera (sem flash, porque ainda me sobra um pouco de educação) para fotografar, o celular para filmar ou o bloco de notas do telefone para anotar cada detalhe do show.
“Vício de jornalista”, tentei me explicar, na saída. Mas nada do que eu falava o convencia de que aquele comportamento não era sinal de abandono ou qualquer coisa horrível como essa. “É que sempre fico assim nos shows de Marisa. E de Zé Ramalho. E de Madonna. E de Paul McCartney. E de…” Marco alegou que, tirando o de Madonna, ele viu todos os outros comigo e eu até que soube dividir meu tempo entre o artista e ele. “É que Marisa faz show de cinco em cinco anos. O último a que assisti faz seis!” Pôxa, e minha história com ela é antiga. Na minha primeira coluna musical, publicada mensalmente em uma revistinha de Niterói, ela foi uma das artistas que resenhei. E, na época, tremendo de vergonha, fui até seu camarim entregar uma cópia. Depois, tive a oportunidade de entrevistá-la duas vezes: a primeira, por telefone, para uma matéria da revista da MTV sobre o Carlos Zéfiro, desenhistas de histórias em quadrinhos de cunho erótico que ilustraram a capa do CD “Barulhinho Bom”, da cantora; depois, para o jornal Extra, cara a cara, quando ela lançou os álbuns “Infinito Particular” e “Universo ao meu Redor”. Quando ele ameaçou não me perdoar, encontrei dois amigos tão doentes quanto eu, que iniciaram um falatório analítico sobre o show, deixando Marco um pouco mais tranquilo, afinal, ali ele percebeu que eu não era a única. E convidou os três a sair do frio e confraternizarmos em um bar ao lado.
Meu amigo “S” não curtiu muito o show. Já “L” adorou. S alegou que o cenário era pobre e que Marisa não inovou no repertório. L chegou à conclusão que a magnitude da última turnê da cantora comprometeu o que ela vier a fazer para o resto de sua vida. Concordo com os dois. Apesar do transe em que Marisa e a banda magnífica que a acompanha me deixou, devo admitir que preferia ouvir outras canções de seu repertório a ter que fazer coro novamente com a plateia em hits como “Beija Eu” e “Carnavália”, esta última dos Tribalistas, ambas já ouvidas em turnês anteriores. Por outro lado, L tem razão ao exaltar a qualidade das projeções, com obras de artistas plásticos como Luiz Zerbini e Mana Bernardes, que ilustraram cada música em um telão por trás da cantora ou em tecidos pela frente. Marisa posou mais uma vez de diva, acompanhada pelos velhos companheiros Dadi (violões, guitarras e ukelelê) e Carlos Trilha (piano, click, sampler voz, clavinete, teclados e rhodes), pelos integrantes da Nação Zumbi emprestados Lucio Maia (guitarra), Dengue (baixo) e Pupillo (bateria) e por uma mini orquestra de cordas formada por Pedro Mibielli e Glauco Fernandes (violino), Bernardo Fantini (viola) e Marcus Ribeiro (cello).
Grande surpresa foi a homenagem a Cássia Eller, com a interpretação de “E.C.T.”, composição de Marisa Monte, Nando Reis e Carlinhos Brown, gravada pela falecida cantora na década de 90 (e que deu nome a uma banda com a qual atuei por dois anos). Também impressionou o número em que a cantora incorporou uma diva italiana e sensualizou ao cantar “Sono Come tu me Vuoi”, sucesso na Itália com a cantora Mina Mazzini, que gravou “Ainda Bem” em seu disco na mesma época em que Marisa lançou “O que Você Quer Saber de Verdade”. Arnaldo Antunes também foi reverenciado pela cantora, que destacou duas entre as muitas parcerias com o ex-Titãs que permearam o show: “De Mais Ninguém” e “Beija Eu”. Belíssimo também foi o momento em que a brasileira cantou “Ilusión” sem a parceira mexicana Julietas Venegas.
No final de tanto debate, que entrou parte da noite adentro com cervejas e esfihas, acho que fui compreendida. Espero que sim, porque, quando o show de Marisa Monte chegar ao Rio, lá estarei eu em êxtase de novo.