Anjos tortos Itamar Assumpção, Wilson Simonal, Torquato Neto e Waly Salomão são celebrados

Posted by Chris Fuscaldo Category: Entrevistas

“A importância está na obra que esses caras deixaram. A musical, naturalmente, mas, sobretudo, a herança de um comportamento livre. Cada um ao seu modo, todos lutaram muito.” Jornalista e curadora da série “Anjos Tortos, a MPB Gauche na Vida”, Monica Ramalho explica o que fez com que decidisse homenagear Itamar Assumpção, Wilson Simonal, Waly Salomão e Torquato Neto. No palco do Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB Rio), de 15 a 25 de março (quinta a domingo, alternando a cada fim de semana), outros quatro criadores afinados com a obra desses artistas mesclarão músicas de seus repertórios com as dos convidados. A estreia será com a banda Isca de Polícia e Arrigo Barnabé e a primeira celebração será por Itamar Assumpção. Max de Castro vai relembrar sucessos do pai, Wilson Simonal. Jards Macalé apresentará parcerias que fez com Waly Salomão e Chico César homenageará Torquato Neto.

Para você, qual é a importância de Itamar Assumpção, Wilson Simonal, Waly Salomão e Torquato Neto para a música brasileira?

A importância está na obra que esses caras deixaram. A musical, naturalmente, mas, sobretudo, a herança de um comportamento livre. Cada um ao seu modo, todos lutaram muito. O Itamar, pioneiríssimo, contra o esquema das grandes gravadoras e das regras super comerciais do mercado naquele tempo. Simonal contra o preconceito racial, a inveja e a maledicência. Não se comprovou o envolvimento dele com os militares. Ele foi enterrado vivo, como disse o jornalista Carlos Calado num depoimento que filmamos pro vídeo de abertura do show em homenagem ao Simonal. Waly batalhou contra o senso comum e mostrou que é possível estar à margem do óbvio e ser bem sucedido e Torquato foi radical: matou-se aos 28 anos, inconformado com os rumos da época e, certamente, sem perceber o quanto seria valioso o seu trabalho nesse mundo que tanto o incomodava.

O que significa MPB gauche? Como surgiu esse termo e por que ele foi atribuído a esses artistas?

O nome da série veio do “Poema das sete faces” (“Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”), de Carlos Drummond de Andrade que, por sua vez, inspirou a parceria do Torquato Neto com o Jards Macalé, “Let’s play that” (“quando eu nasci / um anjo louco muito louco/ veio ler a minha mão/ não era um anjo barroco/ era um anjo muito louco, torto/ com asas de avião”). Faltam anjos tortos nos dias de hoje… Concorda?

Por que esses nomes podem ser considerados “anjos tortos”?

São anjos que iluminaram a cena cultural brasileira com suas criações provocativas, livres e libertárias. Gente sem medo de experimentar, de subverter, de bater de frente com seus contemporâneos e, verdadeiramente, inovar, como fizeram os modernistas, baseados no lema cunhado por Ezra Pound (“Make it new!). Eram tortos, mas não era caídos, como bem notou a cantora e compositora Lucina no vídeo que conta um pouco quem foi Itamar. Esses vídeos, maravilhosos, foram feitos pela super equipe da Plano Geral. É bom dar o crédito ; ) Penso em disponibilizar tudo no nosso blog após essa segunda e última rodada do ‘Anjos Tortos, a MPB gauche na vida’.

Como foram escolhidas as atrações que vão subir ao palco do CCBB?

Fui atrás de quem realmente receber influências desses marginais da nossa cultura (citando aquela famosa e incompreendida criação do Hélio Oiticica, “Seja marginal, seja herói”). É isso. Eles foram heróis e estamos felizes de lembrar, mais uma vez, de seus nomes e de seus legados únicos. Para cantar Itamar, ninguém melhor do que a Isca de Polícia, banda que ele próprio fundou em 1979. Como eles interpretam apenas a obra do Nego Dito, chamamos o Arrigo Barnabé, um dos fundadores da Vanguarda Paulista, para cantar suas músicas dentro da mesma linha. Além de filho do Simonal, o Max de Castro é um artista independente muito inventivo e cheio de suingue. Só Jards Macalé, ele mesmo um anjo torto dessa safra original (risos), para cantar aqueles clássicos que compôs com Waly Salomão. E pensei no Chico César para homenagear o Torquato Neto porque considero a poética deles muito similar em alguns aspectos, embora o Chico seja mais solar que o Torquato. E os dois são filhos do Nordeste brasileiro.

Fale um pouco sobre a configuração dos shows?

A gente propôs que esses artistas embaralhassem suas composições com as obras-primas dos homenageados, mas com alguma liberdade para cantar a mais ou a menos. Assim, respeitamos o espírito desses quatro anjos tortos, não é? (risos). São shows únicos e lindos – pergunte ao público e à imprensa de Brasília, onde estreamos a série em setembro de 2011. Estou feliz por realizar esse sonho nas duas cidades da minha vida. Em Brasília, onde nasci há 35 anos, e no Rio de Janeiro, onde moro desde os dois meses de idade. Quero ver o Garota FM lá no Teatro III do CCBB, hein? (mais risos).

PROGRAMAÇÃO

Dias 15 e 16 de março (quinta e sexta), às 19h
NEGO DITO: QUE TAL O IMPOSSÍVEL?
Itamar Assumpção (1949-2003) continua no futuro, embora suas músicas irreverentes, bem humoradas e repletas de crítica social, gravadas nas décadas de 1980 e 1990, estejam sendo revisitadas por cantoras do nosso tempo, como Zélia Duncan e Mônica Salmaso. Itamar criou a Isca de Polícia em 1979 com o objetivo de ter uma banda sólida em seus discos e shows. E o bonito é ver que a Isca continua na ativa. Já Arrigo Barnabé fez, em 2006, um tributo ao parceiro em forma de disco. Isca e Arrigo se unem nesse show para cantar as obras majestosas desses mentores da Vanguarda Paulista.

Dias 17 e 18 de março (sábado e domingo), às 19h
PAÍS TROPICAL: SEI DE COR O AMOR QUE TENHO POR VOCÊ
Wilson Simonal (1938-2000) foi um dos artistas mais produtivos, conhecidos e bem pagos da música popular brasileira na década de 1960. Quando Max de Castro nasceu, em 1972, o pai já estava estigmatizado como informante dos militares, fato que nunca foi comprovado. Primeiro negro a apresentar sozinho um programa de tevê no país, Simonal incentivou a carreira dos seus garotos e Max já estreou com um álbum aclamado pela crítica. Será emocionante ver o filho cantar seus sucessos e os clássicos de Simonal, mostrando ao vivo todo o suingue que herdou do Rei da Pilantragem.

Dias 22 e 23 de março (quinta e sexta), às 19h
VAPOR BARATO: NÃO PRECISO DE GENTE QUE ME ORIENTE
Waly Salomão (1943-2003) provou que é possível ser livre e dar certo comercialmente. Tropicalista, o baiano dirigiu Gal Costa e produziu Cássia Eller em trabalhos memoráveis, permanece sendo regravado por estrelas, como Adriana Calcanhotto, e até venceu um Prêmio Jabuti. Jards Macalé (1943) dirigiu Maria Bethânia lá atrás e continua fazendo história. Em 2005, Macalé reuniu o melhor do cancioneiro da dupla no álbum ‘Real Grandeza’, um documento vivo da genialidade desses anjos tortos.

Dias 24 e 25 de março (sábado e domingo), às 19h
ANJO TORTO: DIZ AÍ COMO É QUE É
Torquato Neto (1944-1972) se autodenominava um anjo torto, inspirado nos versos de Drummond. Poeta, jornalista, letrista e ligado à contracultura: suas habilidades eram tantas que o colocaram, com folga, na proa do Tropicalismo levado adiante pelos seus parceiros Caetano Veloso e Gilberto Gil. Torquato disse adeus cedo demais, aos 28 anos, antes de ver a chegada do “pop genuinamente brasileiro” com o qual tanto sonhava e que é tão bem defendido por Chico César (1964). Será mágico presenciar outra vez – a série passou pelo CCBB Brasília, em 2011 – o encontro das tintas inventivas desses dois filhos do Nordeste.

‘ANJOS TORTOS, A MPB GAUCHE NA VIDA’: Quintas, sextas, sábados ou domingos entre 15 a 25/03 (ver programação detalhada ), às 19h, no CCBB Rio (Rua Primeiro de Março, 66, Centro do Rio – (21) 3808.2020). R$ 6 e R$ 3 (meia-entrada válida para estudantes, professores, maiores de 60 anos e clientes BB).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Required fields are marked *.

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>