Lenine tridimensional: ‘Faço música como faço análise química’

Imagine sentar na plateia de um teatro para assistir a um show e ser surpreendido por sons que ultrapassam os limites impostos pelo palco?! A limitação, na verdade, nunca foi uma questão de espaço físico, mas da tecnologia. Na maior parte das vezes (e se pensarmos sobre tempos passados), era o que tinha disponível mesmo. Mas, como a acomodação nunca foi uma opção para Lenine, pacientemente, ele veio estudando formas de expandir seu som para além do retângulo onde pisa junto aos músicos de sua banda. No show de lançamento do álbum Carbono, já realizado em São Paulo e apresentado esta semana no Rio de Janeiro (nos dias 16, 17, 18 e 19 de junho no Teatro Net Rio), o músico apresentou a sujeira mais limpa que seus fãs já viram na vida e ainda deixou rastros de guitarra, de sons eletrônicos e de vozes invadirem todos os seus sentidos. Sem precisar dos óculos de lentes azul e vermelha, os presentes viveram uma verdadeira experiência tridimensional.

“Nos shows, a gente está acostumado a ouvir bidimensionalmente, porque há sempre duas colunas de som, uma do lado direito e uma do lado esquerdo. Numa boa sala de cinema, as caixas de som estão espalhadas para que o espectador do filme sinta o relevo do som. Isso é uma ferramenta de áudio chamada surround. A gente aprofundou isso a ponto de criar um sistema para poder viajar com ele. Isso me levou a outro patamar, o de uma experiência muito diferente”, contou Lenine ao GarotaFM dias antes da estreia carioca.

Lenine por Flora Pimentel

Lenine por Flora Pimentel

A experiência foi vivida por todos desde o início, quando os músicos entraram no palco ao som de Continuação (faixa de encerramento do álbum Labiata), até a despedida, quando a canção Castanho (tocada logo após todos assumirem seus instrumentos) foi repetida. Em Quede Água, a voz de Lenine ecoou pelas caixas de som, invadindo as entranhas de quem também se preocupa com a questão da falta de água no país. Durante Martelo Bigorna (também de Labiata), o som sujo das guitarras se contrapôs à limpeza da voz de Lenine, ambos podendo ser ouvidos e compreendidos com perfeição.

“Ao construir o projeto, eu já levei em consideração como poderia transitar com ele. Tem um sentido de adequação que precisei eleger para conseguir brincar com essa ambiência. Ora é uma voz, ora é um delay que a guitarra está fazendo, ora é uma virada de bateria… há uma construção. O que salta são coisas que fazem parte desse núcleo. É um descolamento da realidade sonora”, comentou Lenine.

Em “Carbono”, Lenine experimentou de tudo um pouco. A produção do álbum foi acompanhada da produção do show. Ele diz que foi um “tsunami”, afinal, o músico deu a si próprio menos de três meses para concluir o projeto. Pelo menos ele já sabia que podia contar com a fórmula que criou na época de “Labiata” e seguiu fazendo em “Chão”, de pensar no título para então criar as canções:

“Eu preciso fugir da sensação de repetição. A cada novo projeto eu me estimulo e desejo percorrer caminhos diferentes. A partir do Labiata, eu me impus só compor as músicas depois de descobrir um título. A novidade de Carbono foi fazer disco e adaptação dele para o palco simultaneamente. Foi um tsunami. Foram dois meses e meio entre fazer as canções, gravar, mixar e masterizar. Eu consegui realizar um disco como esse porque tenho grandes amigos criadores. Teve gravação na Holanda (Martin Fondse Orchestra na faixa O Universo na Cabeça do Alfinete) que acompanhei por Skype. Para gravar com a Orkestra Rumpilezz (À Meia Noite dos Tambores Silenciosos), fui a Salvador. Foi uma procura por um romance sonoro e não por uma coletânea de contos.”

Lenine por Flora Pimentel

Lenine por Flora Pimentel

Carbono acabou virando uma síntese do interesse que Lenine tem nos estudos da química. A faculdade, ele trancou em 1979, depois de três anos e meio cursados, para passar um ano sabático no Rio, de onde nunca mais saiu. Mas “carbono” ficou no caderninho onde o músico cultiva uma coleção de palavras. Para ser ajudado a pensar em ideias sonoras ou em letras a partir do tema lançado, Lenine convidou parceiros como Carlos Posada (Castanho), Carlos Rennó (À Meia Noite dos Tambores Silenciosos), João Cavalcanti (A Causa e o Pó), Dudu Falcão (Simples Assim), Marco Polo (Grafite Diamante) e Lula Queiroga (O Universo na Cabeça do Alfinete). Com a rapaziada da Nação Zumbi (Pupillo, Dengue, Lucio Maia, Jorge Du Peixe), fez Cupim de Ferro. Sozinho, respondeu a Zeca Pagodinho em Quem Leva a Vida Sou Eu:

“Continuo apaixonado por reações químicas. Faço música como faço análise química. Na química, para ser homogêneo tem que saber ser heterogêneo. É uma regrinha que acho que sigo na música.”

No show, estrelado também pelos produtores do disco ao lado de Lenine, Bruno Giorgi (bandolim, guitarra, efeitos e vocais) e JR Tostoi (guitarra e vocais), e por Guila (baixo, synth e vocais) e Pantico Rocha (bateria e vocais), ficou clara a química. Falo da química entre os músicos no palco, entre os artistas e a plateia e entre as canções do álbum novo e sucessos como Jack Soul Brasileiro, Relampiano e A Rede.

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