Com ótimo elenco, ‘Faroeste Caboclo’ parece o ‘Django’ brasileiro

O filme Faroeste CabocloAssisti a “Faroeste Caboclo” no último fim de semana. E, para quem tem preguiça de ler, deixo logo a dica: corra para o cinema mais próximo e compre logo seu ingresso. Bom, isso se faz o seu estilo filmes como os de Quentin Tarantino ou os bang bangs antigos e modernos. Vivido por Fabrício Boliveira, João de Santo Cristo me lembrou o Django do filme homônimo, último sucesso do cineasta americano. Cara, corpo, roupa e missão fazem do personagem principal da música de Renato Russo um herói ao estilo Jamie Foxx no filme dirigido por René Sampaio. Se quiser continuar me acompanhando para saber como e porquê, seguirei falando sobre minhas impressões sobre o segundo longa-metragem relacionado à Legião Urbana lançado este ano (o outro, “Somos Tão Jovens”, narra uma parte da história de Renato Russo).

O filme Faroeste CabocloNa telona, a história de João de Santo Cristo não é tão fiel à música. No filme, o protagonista não chega a passar por Salvador, não esbarra por acaso com o parente Pablo (mas vai direto à procura dele), não começa a roubar por influência dos “boyzinho da cidade” e… bom, a história de Jeremias com Maria Lúcia é melhor eu não contar para não estragar a surpresa que espero que tenha com a ótima adaptação dos roteiristas Marcos Bernstein e Victor Atherino para a história escrita por Renato Russo aproximadamente 30 anos atrás. Se não é exatamente como o ex-vocalista do Aborto Elétrico, o ex-Trovador Solitário e o líder da Legião Urbana escreveu, isso não faz a menor diferença. Vale a atenção à história e à ótima atuação de Fabrício e do resto do elenco (sem exceção).

Ísis Valverde é Maria Lúcia, a filha de um senador (Marcos Paulo, in memoriam) que anda desanimada com a turma com quem costuma sair. Felipe Abib é Jeremias, o traficante que manda prender e soltar nas festas da Asa Sul. É ele o organizador da famosa festa Roconha e o cara que implica com João, por ser seu concorrente na venda de drogas e por ser também apaixonado pela mocinha. Pablo é vivido por César Troncoso e Antônio Calloni, personagem novo na história, é o agente corrupto e sanguinário Marco Aurélio.

O filme Faroeste CabocloDepois de perder o pai e a mãe, João deixa Santo Cristo, na Bahia, e vai para a capital do país, onde procura Pablo. Além de trabalhar na marcenaria, topa fazer um serviço de entrega para o primo em Brasília. É aí que, de certa forma, João vai para o inferno pela primeira vez. Ele não chega a ir preso neste momento porque consegue abrigo e conhece Maria Lúcia, mas fica marcado por Marco Aurélio, que vai infernizar sua vida junto a Jeremias até o final desta tragédia brasileira.

Assim como Django, João vai modificando sua vida e trocando seus passos, sempre com o objetivo de conseguir ficar com seu grande amor. Rápido no gatilho, tanto com seu Winchester-22 quanto com as armas que vai herdando pelo caminho,  ele não fala com o presidente pra ajudar aquela gente, mas muda a história daquele Distrito Federal.

Eu poderia escrever páginas sobre “Faroeste Caboclo”, tanto sobre a música quanto sobre o filme. Mas acho melhor parar por aqui, para não estragar a surpresa. Deixo novamente a mensagem: não deixe de assistir a mais essa obra prima do cinema brasileiro! Ah, e não se preocupe, porque a música toca no início (sem letra) e no final (completa). E a trilha sonora produzida por Philippe Seabra (vocalista da Plebe Rude e amigo de Renato Russo) é ótima, com direito a “Tédio com um T bem grande pra você”, do Aborto Elétrico, e uma música incidental bem típica das trilhas de Tarantino.

Sobre a música, segue trecho do texto reproduzido no encarte da reedição de 2010 do LP/CD “Que País é Este – 1978/1987”:

Que País É EstePor Christina Fuscaldo

A música de mais de 9 minutos escrita por Renato Russo em 1979, na época em que o cantor era O Trovador Solitário, estreou no Rio de Janeiro sob vaias, em um show da Legião Urbana no Morro da Urca, em 1983. Quatro anos depois, registrada nos estúdios da EMI para o LP “Que País é Este – 1978/1987”, primeiramente foi proibida pela censura para execução pública e radiodifusão, junto a “Conexão Amazônica”: um selinho colado no vinil avisava ao comprador. Mas, em pouco tempo, “Faroeste Caboclo” ganhou admiradores, a começar pela turma que acompanhou a banda dentro do estúdio, que trabalhou na música durante quase uma semana.

Há imperfeições na gravação de “Faroeste Caboclo”, admite o produtor do álbum, Mayrton Bahia. A banda demorou a conseguir tocar a base inteira de uma vez só, sem errar. Com Renato no violão, uma hora saiu. Mas Bonfá deixou escapar um toque na caixa que não deveria entrar na melodia. “Foi um erro na única base que eles conseguiram fazer do início ao fim. Como já estavam muito cansados, sugeri aproveitarmos a caixa. Eu botaria um efeito de eco e iria parecer que era uma coisa de cenário, como um filme. A música tem uma história, então, olhar com esse conceito de filme foi o que nos fez conseguir preservar o som bruto da banda e ter o acabamento fonográfico”, conta o produtor.

As rádios não arriscaram perder a chance de emplacar mais um sucesso em sua programação e editaram a saga de João de Santo Cristo, camuflando os trechos que a Censura Federal havia considerado mais apimentados. “Foi uma surpresa muito grande tocar ‘Faroeste’ no rádio. A permanência, o público é que explica”, disse Dado, já em maio de 1988, ao jornal O Globo. Cinco meses antes, Arthur Dapieve declarou em matéria publicada pelo Jornal do Brasil que “a música é incontestável obra-prima, narrando a paixão e morte do tal João de Santo Cristo, traficante que oscilando entre o banditismo e a santidade encarna o próprio Brasil”. Como que já assinando uma crítica, o jornalista elogiou o fato de o arranjo começar como uma música sertaneja, cair no reggae e se desenvolver em rock. Na mesma entrevista que Dado deu ao jornal O Globo, em maio, Renato Russo comentou o sucesso nas rádios e a comparação de sua música com a sertaneja:

“Acho legal porque as pessoas gostam da história. Eu acho que a música sertaneja é tão ou mais brasileira do que o samba. Acho o samba mais carioca. Então, a música sertaneja tem a tradição da narrativa. É uma coisa antiga. Um motorista de táxi outro dia me disse que tinha um amigo que comprou a fita porque era exatamente a história do irmão dele. O cara tinha saído de Mato Grosso e ido pra Brasília e morreu num tiroteio no Nordeste. E a música é totalmente fictícia.”

One thought on “Com ótimo elenco, ‘Faroeste Caboclo’ parece o ‘Django’ brasileiro

  1. Lindo e emocionante o filme! E seu texto traçando o paralelo entre a expectativa da composição deixa ainda mais expostas as contradições carregadas por João do Santo Cristo. A adaptação do roteiro, apesar de não ser fiel a letra, o que acho que seria impossível também, conseguiu captar a essência de João do Santo Cristo e o que o seu símbolo que a música construiu. Dá muito orgulho saber que Foroeste Caboclo é uma tragédia genuinamente brasileira. A história contada se confunde com a realidade de muitos brasileiros e brasileiras. Como disse a Chris, acho que vale muito a pena correr para o cinema para assistir.

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